Entrevista sobre o Julgamento do STF sobre a criminalização da homotransfobia 

O Diretor-Presidente do GADvS, o advogado constitucionalista Paulo iotti, concedeu entrevista, em janeiro, ao portal HuffPost (jornalista Leda), sobre o julgamento do STF, do próximo dia 13.02.2019, sobre a criminalização da homofobia e da transfobia (LGBTIfobia), relativamente a duas ações, uma pela ABGLT (MI 4733) e outra pelo PPS (ADO 26), que ele moveu, requerendo, em síntese, o reconhecimento do dever constitucional do Congresso Nacional em criminalizar, de forma específica, a homotransfobia (LGBTIfobia), bem como considerá-la como crime de racismo, não por “analogia in malam partem“, mas por interpretação literal, embora evolutiva, dos conceitos de raça e racismo na sua acepção político-social. Conceito este já afirmado, em famoso e histórico caso, pelo próprio STF (HC 82.424/RS – “caso Ellwanger”), bem como referendado pela literatura antirracismo.

Como a matéria não transcreveu a íntegra das respostas, a despeito de seu pertinente enfoque, entrevistando outros(as) ativistas, entendeu-se por bem divulgar seu inteiro teor, após algum tempo da publicação da matéria original (disponível em: <https://www.huffpostbrasil.com/2018/12/29/movimentos-apostam-em-criminalizacao-da-lgbtfobia-em-2019-via-stf_a_23621806/>), para fins de maiores esclarecimentos sobre este relevantíssimo e polêmico tema:

1) As duas peças, o MI e a ADO, pedem uma ação do Supremo no sentido de forçar o Legislador a aprovar uma lei que criminalize a homofobia e a transfobia? Quais são as diferenças e semelhanças entre os dois pedidos?

R: As duas ações têm o mesmo objeto e os mesmos pedidos. Na prática, a diferença é quem pode propor a ação e o motivo da propositura. O mandado de injunção (MI) supõe pessoa física ou associação (ABGLT), que prove que a ausência da lei em questão prejudica direitos, liberdades ou prerrogativas de sua cidadania (essa parte da cidadania fundamenta a ação: a cidadania sexual e de gênero da população LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos), especialmente em seus direitos à livre orientação sexual e identidade de gênero, está materialmente (“de fato”) inviabilizada pela ausência de lei que puna criminalmente a homofobia e a transfobia, pela verdadeira banalidade do mal homofóbico e transfóbico que nos assola, no sentido de pessoas “normais”, e não “monstros”, se sentirem no pseudo “direito” de ofenderem, discriminarem e até mesmo agredirem e matarem pessoas LGBTI. Na ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO), não há necessidade dessa demonstração, pois só um rol restrito de entidades (como partidos políticos) pode propô-la e ela visa uma defesa da ordem jurídica abstratamente considerada. Ambas as ações apontam que a Constituição exige a criminalização do racismo (enquadrando a homotransfobia como tal, pelo conceito político-social, e não biológico, já afirmado pelo STF (com base em fortíssima literatura antirracismo) quando decidiu que o antissemitismo é espécie de racismo e não um “crime de discriminação não-racista”) e, ainda, de toda discriminação atentatória a diretos e liberdades fundamentais (se o STF não considerar a homotransfobia como racismo, então não pode deixar de considerá-la incluída nessa outra ordem constitucional de legislar criminalmente). Apontam, ainda, a proteção insuficiente da população LGBTI pelo Estado Brasileiro – inconstitucionalidade por proibição de proteção insuficiente, tradicional hipótese de omissão inconstitucional.

2) Qual é a justificativa nas duas peças para que seja especificado na lei esse tipo de crime? Por que a homotransfobia precisa ser criminalizada?

2.1) Há uma razão de princípio e uma pragmática para a propositura das duas ações. Por princípio, é importante que o próprio Movimento Social ingresse na Justiça para defesa de seus interesses e direitos, para demonstrar plenamente ao STF o seu “lugar de fala”, conceito de obra que nasceu clássica de Djamila Ribeiro e que, inclusive, foi usado pelo Ministro Roberto Barroso em recente decisão de 2018 (ADPF 527 MC), para justificar a legitimidade da ABGLT para propor ações diretas no STF (até hoje, o STF rejeita isso, por descabidamente entender “entidade de classe”, uma das legitimadas, de forma restritiva, apenas como classe profissional – o Ministro Barroso defendeu a superação desse entendimento restritivo, para propor que qualquer entidade de defesa de direitos fundamentais possa ir direto ao STF, provada sua atuação direta no tema respectivo). Simplesmente, não é a mesma coisa quando uma entidade que não atua diretamente na área, por mais aliada que seja (e valorizamos muito essas alianças), defende um tema, o próprio grupo social tem maior domínio do tema, o que é importante. Mas há uma segunda razão, pragmática. A ação da ABGLT (MI 4733) foi distribuída em maio de 2012. Naquele momento, nenhum partido político tinha mostrado interesse em propor a ação. Então, era a única via que tínhamos. Em 2013, fui apresentado ao Eliseu Neto, do PPS Diversidade, por um amigo militante (João Junior), Eliseu levou o tema ao Deputado Roberto Freire (Presidente Nacional do PPS), que assumiu a causa e me outorgou procuração em nome do PPS, em dezembro de 2013. Isso é muito importante, ainda, porque o STF pode eventualmente entender que o tema da criminalização não poderia ser discutido em mandado de injunção (MI), mas apenas em ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO). Pois há um inconsciente coletivo dos juristas (que critico nas ações) que acha que mandado de injunção só caberia para garantia de direitos que precisariam de prévia lei para poderem ser exercidos (e a livre orientação sexual e identidade de gênero não precisam, decorrem diretamente da Constituição e isso é inconteste). Mas não é isso que diz a Constituição, ela diz que cabe a ação (não só para isso, mas) também para defesa de prerrogativas inerentes à cidadania, e é nessa parte final do dispositivo constitucional que defendo justificar o cabimento do mandado de injunção (doutrina inspiradora de Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, que foi Relator da Comissão de Juristas que elaborou um Projeto de Novo Código Penal, ainda em tramitação). O Ministro Lewandowski, Relator original, extinguiu o MI 4733, mas quando ele se tornou Presidente do STF, houve a redistribuição do caso ao Ministro Fachin, que reconsiderou essa decisão. Essa polêmica não existe na ADO, então, se há o risco de o STF só extinguir o MI 4733 sem analisar o seu mérito (por assim dizer, afirmando que não seria possível discutir o tema nesse tipo de ação), esse risco não há na ADO 26. Por fim, o STF nunca foi “concretista” (proferido decisão que regulamenta o tema objeto de omissão inconstitucional) em ADO, mas apenas em MI, e desde antes da lei que regulamentou o mandado de injunção isto prever. Daí a importância de termos as duas ações tramitando conjuntamente e serem, ambas, apreciadas em seu mérito: para o STF ter que apreciar o tema e, acolhendo os pedidos, poder efetivamente criminalizar a homotransfobia (como espécie de crime de racismo, pela preferência do Movimento LGBTI).

2.2) A homotransfobia precisa ser criminalizada porque vivemos verdadeira banalidade do mal homotransfóbico, no sentido de muitas pessoas se acharem detentoras de um pseudo “direito” de ofender, discriminar e até mesmo agredir e matar pessoas LGBTI por sua mera orientação sexual ou identidade de gênero (uso “banalidade do mal” precisamente no sentido de Hannah Arendt, de pessoas “normais”, e não “monstros”, praticarem atos horrendos). O Código Penal é insuficiente para a proteção eficiente da população LGBTI porque as condutas que mais a assolam, de discursos de ódio e de discriminação, não são criminalizadas por ele, mas apenas pela Lei Antirracismo (Lei Federal 7716/89) – o crime de “constrangimento ilegal” exige violência ou grave ameaça para se caracterizar, então não é qualquer discriminação que ele pune. Então, é um grave equívoco dizer que o Código Penal seria suficiente para proteger a população LGBTI (e isso também foi ratificado pela PGR, nos pareceres favoráveis aos processos). A lei penal terá o importante papel de mostrar que o Estado Brasileiro não tolera a opressão homotransfóbica: embora a lei penal não possa ser “puramente simbólica”, a criminalização da homotransfobia terá importantes reflexos práticos, pois tratará de um tema que merece regulamentação e proteção do Estado, pela enormidade de discriminações, agressões e mortes motivadas por homofobia e transfobia (LGBTIfobia) e terá um mesmo efeito positivo que teve a Lei Antirracismo: esta lei calou as pessoas negrofóbicas; não se vê mais discursos de ódio e “piadas” (verdadeiras injúrias mal disfarçadas à coletividade negra) em rede nacional, como havia antes da Lei Antirracismo. Hoje, as pessoas têm medo e vergonha de serem vistas como “racistas” (leia-se, negrofóbicas, já que defendo que racismo é gênero do qual a negrofobia, a homotransfobia, o antissemitismo etc são espécies, mas dependemos de referendo do STF para isso se tornar o paradigma jurídico da nação), mas não têm vergonha nenhuma em serem tidas como homofóbicas ou transfóbicas. Esse é um efeito prático importantíssimo da Lei Antirracismo (sobre a negrofobia) que não pode ser dispensado. Veja, não caio no erro da direita, de achar que a criminalização é a panaceia de todos os males, mas também não caio no erro de parte das esquerdas progressistas, de acharem que a criminalização não trará nada de positivo. Uso os exemplos de estupro e homicídio nos dois casos: continuam sendo praticados, apesar de serem crime, mas muita gente não os pratica, apenas por serem condutas criminalizadas. Daí a importância da criminalização (e do STF acolher a tese, ratificada pela PGR, de que o crime de discriminação por raça abarca a homofobia e a transfobia, na acepção político-social, de racismo como inferiorização de um grupo social relativamente a outro, que o STF já afirmou no passado): prevenir a prática de crimes. Pode não resolver por completo, mas certamente ajuda e fornece mecanismos de proteção ás vítimas. Em suma, com a direita, debato a necessidade e importância da criminalização da homotransfobia; com parte das esquerdas progressistas, aponto que sempre que o Estado Brasileiro considera uma opressão intolerável, ele a criminaliza – vide os casos da Lei Antirracismo (que fala em “raça, cor, etnia, procedência nacional e religião”, discussão sobre a homotransfobia ser espécie de racismo à parte), da Lei Maria da Penha, da Lei do Feminicídio, da Lei que criminaliza discriminação de pessoas com HIV/AIDS, os crimes contra a criança e o adolescente previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, os crimes contra os idosos previstos no Estatuto do Idoso. Então, não criminalizar a homotransfobia implica em hierarquização de opressões (expressão que colhi do ativista gay Beto de Jesus e que ajudei a difundir no Movimento LGBTI), no sentido de que as opressões criminalizadas estariam sendo colocadas como objetivamente “mais graves” que as opressões homotransfóbicas (LGBTIfóbicas), algo que é intolerável. As ações invocam o direito à igual proteção penal: como argumento, se não pode (e é crime) contra negros e religiosos (cf. Lei Antirracismo), não pode (e tem que ser crime) também contra pessoas LGBTI. Queremos apenas a mesma proteção penal que a Lei Antirracismo já fornece a negros, índios, estrangeiros e religiosos, portanto, já que ela é nossa Lei Penal Geral Antidiscriminatória, como já disse Roger Raupp Rios, grande autoridade do Direito da Antidiscriminação no Brasil. Quem quer “privilégio”, portanto, são religiosos fundamentalistas (o adjetivo é fundamental), por não quererem que pessoas LGBTI tenham a mesma proteção penal que o Estado lhes garante, portanto. Só queremos punir discursos de ódio, não a liberdade religiosa e de expressão de quem quer que seja, vale ressaltar.

3) Em novembro, o senhor solicitou o adiamento do julgamento do MI, para que ele fosse analisado em conjunto com a ADO 26. Qual foi o motivo para essa decisão? Por que as duas peças devem ser avaliadas juntas na Corte?

R: Como expliquei acima, há o risco de o STF entender que a discussão sobre omissão inconstitucional na criminalização de condutas não poder ser feita em sede de mandado de injunção (MI), mas apenas em ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO). Expliquei e critiquei isso na resposta 2.1, acima. Nesse sentido, eu temi que uma eventual decisão nesses termos do STF fosse causar enormes traumas e mal entendidos: temi que quase ninguém fosse entender essa lógica jurídica (de puro “juridiquês”) de “extinção sem resolução de mérito”, ou seja, algo como “não vamos dizer se o Brasil deve criminalizar a homotransfobia porque isso só pode ser discutido em ADO, não em MI”. Temi que a população LGBTI entendesse algo como “STF é contra a criminalização da homotransfobia”, o que não seria o caso (nessa hipótese que imaginei possível), mas tenho lamentável certeza de que é um mal entendido que se difundiria – e certamente pelo menos parte de nossos adversários (contrários à criminalização) isso difundiria. Então, com dor no coração, porque me dedico de corpo e alma a esses processos desde pelo menos maio de 2012, quando distribuí a ação pela ABGLT e posteriormente despachei, junto à então Senadora Marta Suplicy, com o Ministro Lewandowski (Relator original do MI 4733). Mas preciso ter muita responsabilidade com isso e com a enorme expectativa que esse julgamento causa na população LGBTI, já que a criminalização da homotransfobia é demanda histórica do Movimento e da População LGBTI no Brasil. Obviamente, sou advogado (“representante”) de ABGLT e PPS, então informei o risco e perguntei o que achavam, porque a decisão seria dele e dela. Primeiro, tentamos fazer a ADO 26 ser julgada junto com o MI 4733 dia 14.11.2018, mas infelizmente isso não foi possível. Quando essa impossibilidade se confirmou, peticionei nos dois processos, em nome de ABGLT e PPS, explicando a situação e pedindo o adiamento para dezembro de 2018, para possibilitar o julgamento conjunto. Isso foi prontamente atendido tanto pelos Ministros Relatores quanto pelo Ministro Dias Toffoli – sendo que este último, como Presidente do STF, é quem define a pauta. Assim, tão logo a Advocacia Geral da União (rapidamente) se manifestou na ADO 26, peticionei dia 19.11 pedindo a liberação a julgamento, e no dia 20.11 o Ministro Celso de Mello a liberou, tendo o Ministro Dias Toffoli, dia 29.11, marcado o julgamento para dia 12.12.2018. Que, como sabemos agora, foi retirado de pauta e reagendado para fevereiro (a princípio, para 13.12.2019, por informação que colhi de uma fonte, mas que carece de ratificação na pauta respectiva).

4) Agora houve novo adiamento. Você publicou nas redes sociais que conversou com o ministro Celso de Mello sobre isso. Quais foram as jusfiticativas apresentadas por ele para a decisão? O senhor concorda com elas?

R: Vou explicar o contexto, mas quero imediatamente deixar claro que acredito e confio plenamente nas razões do Ministro Celso de Mello, por quem nutro profundo respeito e admiração, dado seu histórico de belíssimos votos na defesa de minorias e grupos vulneráveis, verdadeiras aulas de direitos humanos e constitucionalismo, que aguardo ansiosamente para poder ler. Vamos lá. Eu estava em Brasília já no dia 10.12.2018, para despachar com a PGR (como fiz) e estava em vias de levar um memorial (“resumo” dos fundamentos das ações) a todos os gabinetes dos(as) Ministros, como é de praxe em qualquer processo. Tive a ideia de olhar a pauta de quarta e vi a ausência do processo. Sem entender a razão disso, fui ao Gabinete do Ministro Celso de Mello, onde sua assessoria me confirmou a informação. Vendo minha perplexidade e choque (inclusive, deixei de prestar concurso público de Professor de Direitos Humanos da UFMG para vir aqui já no dia 10, pela transcendental importância do julgamento), permitiram-me falar com o Ministro Celso de Mello, que foi muito atencioso no diálogo e na explicação do tema (afinal, ele não era obrigado a isso). Ele me disse que seu voto está extremamente longo, porque, dada a polêmica e importância do tema, ele disse que analisa pormenorizadamente e profundamente todos os temas trabalhados nas ações e seus pedidos. Nesse sentido, apontou-me algo pragmático: a leitura de seu longo voto (como Relator da ADO 26) e posteriormente o voto do Ministro Edson Fachin (Relator do MI 4733) provavelmente já tomariam as sessões dos dias 12 e 13.12.2018 (ou até mesmo mais do que isso), ao passo que no dia 20.12 inicia-se o recesso judiciário (as “férias forenses”), sendo que o STF só retomará os trabalhos no dia 01.12.2019, sendo que o dia 19.12 é normalmente deixado para casos extremamente urgentes (como habeas corpus etc), então não é certo que o julgamento continuaria já no dia 19. Nesse sentido, o Ministro Celso apontou que provavelmente o julgamento seria suspenso no dia 13.12, de sorte que, precisamente pela enorme importância e expectativa que o tema causa, ele considerou salutar que o debate se dê todo de uma vez, sem essa interrupção entre fim de dezembro e janeiro, que teria o mesmo efeito de um “pedido de vista”, suspendendo o julgamento (ninguém pode garantir que o STF julgará de uma vez e ninguém pedirá vista, mas algo similar acabaria acontecendo agora em dezembro, portanto). E, agora eu complemento, nada obrigaria o STF a continuar o julgamento já em fevereiro (a definição da pauta é de decisão soberana da Presidência do Tribunal), ao passo que, se os votos proferidos pelos Relatores fossem favoráveis (como tenho grande expectativa de que sejam, já que ambos têm histórico de interpretações progressistas e antidiscriminatórias da Constituição), nossos adversários poderiam tentar já realizar advocacy com os(as) demais Ministros(as) (creio que eles considerem improvável a procedência das ações, pois as teses são, de fato, polêmicas, mas conto com pareceres favoráveis da Procuradoria-Geral da República e, como Doutor em Direito Constitucional que sou, jamais faria uma “aventura jurídica”, especialmente com essa enorme expectativa da população LGBTI, donde obviamente acredito na procedência das teses que apresentei ao Tribunal). Então, posso dizer que entendo as razões do Ministro Celso de Mello, as acho muito adequadas e sensíveis à transcendental importância desse julgamento, donde, com dor no coração, delas não discordo. Claro que foi um choque e uma frustração, pois como disse, dedico-me de corpo e alma a esse tema pelo menos desde maio de 2012 (na verdade, desde o final de 2011, quando ativistas LGBTI me procuraram pedindo para propor uma ação tal, na II Conferência Nacional LGBTI, pela sacada da brilhante historiadora e bacharel em Direito, Rita Colaço – demorei aproximadamente três meses para elaborar a petição inicial do MI 4733, para lhe dar a devida, adequada e profundamente fundamentação necessária, que posteriormente adaptei para elaborar a ADO 26). Preparo-me desde então para ele e tinha a certeza de que ele pelo menos se iniciaria agora (pois é muito inusitado o advogado pedir ao STF o adiamento “por um mês”, em tema que é de competência soberana da Presidência do Tribunal e por não ser garantido que, retirado de pauta, voltaria ao mês seguinte, donde o acolhimento do pedido me fez não ter dúvidas de que ele se iniciaria dia 12.12.2018). Sou advogado e jurista, mas também sou gay (e humano), então eu me enquadro nessa enorme expectativa da população LGBTI+ com o resultado desse julgamento. Mas, como dito, creio que a preocupação do Ministro Celso de Mello é adequada e sensível precisamente com essa enorme expectativa: e penso que o STF precisa se preocupar com questões tais.

5) Na sua visão, há risco de julgar esse assunto no novo governo? Conta com uma decisão favorável do STF sobre o assunto? Se mantém a expectativa de que o tema seja pautado para fevereiro?

R: Acredito que o julgamento ocorrerá em fevereiro, sem que o Governo Bolsonaro influencie negativamente nisso. Inclusive por recentes manifestações de integrantes do STF e do Tribunal como um todo após a (lamentável) eleição de Bolsonaro à Presidência da República. Logo após ela, o Ministro Roberto Barroso declarou que, embora o Tribunal esteja dividido em diversos temas, não o está na proteção de minorias, como gays, transgêneros, negros e mulheres. Pouco depois, o Ministro Alexandre de Moraes fez declaração similar, em defesa de minorias. Posteriormente, tivemos a maravilhosa decisão liminar da Ministra Cármen Lúcia e a ainda mais maravilhosa decisão unânime do STF contra a verdadeira invasão de Universidades pela Polícia, que caracterizavam verdadeiras censuras aos debates acadêmicos (obviamente, descrevo a situação sob viés bem crítico). Então, acredito que o Tribunal esteja mandando um recado ao Presidente eleito: algo como, as urnas devem ser respeitadas, mas Democracia não significa “ditadura da maioria”, pois as decisões da maioria não podem violar direitos humanos de ninguém, nem mesmo das minorias. A maioria pode muito, mas não pode tudo: como lembra o Ministro Barroso pelo menos desde 2008, não é porque você tem oito católicos e dois muçulmanos em uma sala que o primeiro grupo pode “deliberar” jogar o segundo pela janela – democracia não se limita à regra da maioria, portanto, mas respeito às prévias “regras do jogo”, relativas às leis vigentes e, acima delas, os tratados internacionais de direitos humanos e a Constituição. Embora eu também esteja entre os que critique algumas decisões do STF, como sobre direitos sociais e à presunção de inocência, uma luta minha com as esquerdas progressistas é a de que não se pode deixar de reconhecer como positiva e louvável a maravilhosa jurisprudência antidiscriminatória do STF, em defesa de minorias e grupos vulneráveis (cf. decisões sobre união homoafetiva, cotas raciais e sociais em universidades, cotas em concursos públicos, constitucionalidade da Lei Maria da Penha e desnecessidade de “representação”/ratificação da vítima para que a ação penal tramite, aborto de fetos anencéfalos, o próprio aborto durante o primeiro trimestre, embora essa seja, por enquanto, decisão apenas da 1ª Turma). O Supremo Tribunal Federal tem mostrado uma postura absolutamente vanguardista a interpretação progressista da Constituição na defesa de grupos historicamente oprimidos, exercendo com louvor sua função contramajoritária nesse sentido (de aplicar a Constituição, mesmo contra vontades das maiorias do momento). Por isso, acredito que o julgamento ocorrerá mesmo em fevereiro de 2018, especialmente pela proposta ter partido de um Ministro de votos tão comprometidos com a defesa dos direitos humanos de minorias e grupos vulneráveis, como é o Ministro Celso de Mello. Então, nessa visão, o governo bolsonárico pode, inclusive, fazer com que o julgamento, de fato, ocorra rapidamente e, quem sabe (embora nunca se possa prever isso ao certo), ir direto até o fim, sem pedidos de vista. Oxalá.

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