Distribuí a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão perante o Supremo Tribunal Federal requerendo a declaração do dever constitucional do Congresso Nacional em criminalizar de forma específica a homofobia e da transfobia e, consequentemente, a declaração da mora inconstitucional do mesmo em efetivar dita criminalização, entre outros pedidos mais polêmicos (responsabilidade civil do Estado em indenizar vítimas de homofobia e transfobia por causa da citada omissão inconstitucional e efetivação da criminalização pelo STF, por exercício atípico de atividade legislativa como única forma de se acabar com essa omissão inconstitucional caso o Congresso não o faça). Eis o número dela: ADO 26.
Agradeço novamente o PPS, na pessoa do Deputado Federal Roberto Freire, que assinou a procuração e me autorizou a representar o partido, bem como (e especialmente) agradeço ao Eliseu Neto, que isto viabilizou internamente no partido.
Desnecessário dizer que a tese jurídica é complexa e polêmica – a ação ficou com 98 páginas, embora o item 1 da petição inicial traga a “Síntese” das teses nela desenvolvidas nas sete páginas seguintes (isso para dialogar com juízes/as que não gostam de petições longas). A essência está explicada na síntese, mas obviamente a completa compreensão do que se defende supõe a leitura da ação inteira. Logo, quem eventualmente for criticar a ação tem o dever ético de lê-la e argumentar a partir do que está escrito e não simplesmente criticá-la sem ler as teses puramente jurídicas que a justificam. A boa-fé argumentativa isso exige (especialmente de juristas – claro, não sou ingênuo, lamentavelmente presumo que os críticos em geral não irão ler a ação antes de criticá-la nem irão lê-la para ver se continuam convencidos com suas críticas, normalmente é assim, mas vai saber, a esperança é a última que morre…).
As chances de sucesso da ação são as seguintes (sempre na minha opinião, claro, respeitados eventuais entendimentos diversos):
(i) extremamente possível e provável que o Supremo diga que o Congresso tem a obrigação constitucional de criminalizar a homofobia e a transfobia, declarando a “mora inconstitucional” (demora constitucionalmente excessiva/inaceitável) na criminalização, porque ela se enquadra no conceito constitucional de racismo social consagrado pelo STF no HC 82.424/RS, o famoso “Caso Ellwanger” (que classificou o antissemitismo como espécie do gênero racismo por adotar o conceito de racismo social, pelo qual racismo é toda ideologia que prega a inferioridade de um grupo relativamente a outro, no que a homofobia e a transfobia se enquadram) ou, no mínimo, no conceito constitucional de discriminação atentatória a direitos e liberdades fundamentais, hipóteses nas quais a Constituição obriga o Congresso a aprovar lei que puna criminalmente (e com efetividade) tais discriminações, nos termos do artigo 5º, incisos XLII e XLI, respectivamente (além do que, considerando que é inegavelmente deficiente a proteção do Estado Brasileiro à população LGBT, temos outra hipótese de omissão inconstitucional: inconstitucionalidade por proibição de proteção deficiente, decorrente do princípio da proporcionalidade, notoriamente implícito ao devido processo legal substantivo – art. 5º, LIV, da Constituição);
(ii) improvável (embora possível) que o Supremo efetive a criminalização por atividade legislativa atípica, como defendo (obviamente acredito na tese, afinal, não defendo juridicamente o que é juridicamente indefensável, mas isso será uma revolução na teoria jurídica no Direito Penal, improvável que o Supremo concorde comigo nesse momento; forte doutrina já admite que o STF legisle, exerça atividade legislativa atípica, para garantir direitos quando o Congresso não o faça, logo, se supera-se a exigência de lei formal nesses casos, pode-se superar também no caso criminal, a meu ver; superada a reserva legal em um caso, pode-se superá-la em outro). De qualquer forma, considerando que mais importante do que quem cumpre a Constituição é cumprir a Constituição (cf. Walter Claudius Rothenburg, devidamente citado na ação), considerando que deve ser reconhecida eficácia jurídica positiva à ordem constitucional de legislar (o desejo constitucional de que a lei seja criada), considerando que a única forma de se acabar com a omissão inconstitucional é pela criação da normatização faltante (lei, no caso) e considerando especialmente que a lógica imanente (inerente) à declaração de inconstitucionalidade é acabar com a inconstitucionalidade, plenamente cabível a “troca de sujeito” proposta por Walter Claudius Rothenburg para que o STF crie a lei determinada pela Constituição (criminal ou não), em atividade legislativa atípica (como a denomino) caso o Congresso Nacional continue a se recusar a fazê-lo;
(iii) possível, por ter forte apoio na doutrina jurídica (citei na ação Luiz Alberto David Araujo, Flavia Piovesan, Jorge Miranda e Marinoni/Mitidiero), embora incerto, que o STF reconheça o dever do Estado Brasileiro indenizar vítimas de homofobia e transfobia enquanto não efetivar a criminalização (responsabilidade civil do Estado pela omissão inconstitucional), inclusive por ser a responsabilidade civil do Estado objetiva (independente de culpa, que inegavelmente existe no caso, pela negligência do Estado Brasileiro ao deixar de aprovar legislação criminal punitiva da homofobia e da transfobia), nos termos do artigo 37, §6º, da Constituição Federal (sei que se diz que não seria objetiva para omissões, bem, discordo no que tange a omissões inconstitucionais e, de qualquer forma, como visto, há culpa do Estado por sua negligência, logo, a discussão torna-se de menor importância nesse caso).
Eu sei, muito juridiquês, mas são 98 páginas de argumentação puramente jurídica. Conversemos.
Link que leva para a petição inicial (e para a íntegra de petições e documentos apresentados no processo, que tem, até o momento, só a Inicial e os documentos que a instruíram): http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=4515053
Especialista em Direito Constitucional pela PUC/SP
Especialista em Direito da Diversidade Sexual e Direito Homoafetivo
Autor do Livro “Manual da Homoafetividade. Da Possibilidade Jurídica do Casamento Civil, da União Estável e da Adoção por Casais Homoafetivos” (2ª Edição, São Paulo: Ed. Método, 2013)