Hoje fui na 14ª Parada do Orgulho LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros). Não vi grandes novidades em relação aos anos anteriores – mesmo porque, desde 2007, não faço mais o trajeto, por não ter paciência com grandes multidões (em qualquer circunstância) e por baladas não fazerem mais meu estilo há alguns anos (!). Não vi grandes diferenças em relação aos anos anteriores: manifestações políticas aliadas a festividades. Contudo, uma coisa irritante que ocorre todo ano no período da Parada são as acusações de que gays seriam “promíscuos”, o que restaria “comprovado” pela Parada.
Todavia, afirmações desse tipo configuram a mais pura hipocrisia. Explico: Homens heterossexuais não têm sido exemplos de respeito à monogamia ao longo da história. A história do adultério é a prova cabal de que a heterossexualidade não é sinônimo de monogamia. Com essa afirmação não quero menosprezar a heterossexualidade (é óbvio que não), mas apenas fazer a constatação óbvia de que pessoas homossexuais ou bissexuais não são nem mais nem menos promíscuas que pessoas heterossexuais, pela evidente razão de que monogamia não tem absolutamente nenhuma relação com a orientação pessoal da pessoa. Seja lá por qual motivo uma pessoa não se satisfaça em manter uma relação monogâmica, um fato óbvio é aquele segundo o qual não há nenhuma relação entre orientação sexual e monogamia. Atualmente, há pessoas (gays, héteros ou bissexuais) que vivem e defendem relacionamentos abertos (como a psicanalista Regina Navarro, como se pode ver em artigo cujo link encontra-se ao final desta postagem), contudo, sem entrar no mérito desta questão (e no direito de todos de viverem suas vidas como bem entenderem, desde que não prejudiquem terceiros – cf. Stuart Mill), fato é que não é a orientação sexual da pessoa não influencia em absolutamente nada no fato dela ser ou não monogâmica. Os inúmeros casais homoafetivos que vivem em seus relacionamentos monogâmicos estáveis e duradouros (por décadas inclusive) e sua absoluta ojeriza a “relacionamentos abertos” provam isso à saciedade – aliás, a apresentadora Astrid Fontinelli chegou a falar que só vê darem certos os “casamentos gays”, no programa (Happy Hour, da GNT) que contou com a participação da referida psicanalista).
Ou seja: a história tem mostrado inúmeros heterossexuais incapazes de manter relações monogâmicas pelo elevado número de traições em casamentos e namoros e (corretamente) ninguém generaliza a promiscuidade à heterossexualidade ao mesmo tempo em que muitas pessoas, por conhecerem alguns gays não-monogâmicos, (descabidamente) afirmam a promiscuidade à homossexualidade, numa clara aplicação de dois pesos e duas medidas à mesma situação. Isso é um absurdo, um impropério, um desafio à inteligência de qualquer pessoa com dois neurônios pensantes não-preconceituosos…
Isso não gera meros inconvenientes com comentários estúpidos de pessoas ignorantes – essa verdadeira pré-compreensão homofóbica atua inclusive na ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que em sua Resolução n.º 153/2004 considera que “homens que fazem sexo com outros homens (HSH)” seriam pessoas em uma “situação de risco acrescido” e, assim, considera-os inabilitados para doar sangue nos doze meses seguintes à sua última relação sexual. Ou seja, a ANVISA só permite que homossexuais doem sangue se mantiverem um celibato por doze meses… A ANVISA afirma que não estaria sendo preconceituosa e que não adota o nefasto conceito de “grupos de risco”, contudo, isso é uma falácia. Considerar que HSH estariam em uma “situação de risco acrescido” é absolutamente o mesmo que afirmar que HSH seriam um “grupo de risco” para contaminação de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs). Até recentemente, a ANVISA permitia que heterossexuais doassem sangue desde que tivessem praticado sexo seguro (com preservativo) com pessoas do sexo oposto, independente da quantidade de parceiros sexuais do outro sexo, mas não permitia que HSH doassem sangue se tivessem praticado sexo nos últimos dose meses, mesmo que com preservativo, em postura totalmente arbitrária, diferenciando duas situações absolutamente idênticas (sexo seguro com pessoa do outro sexo x sexo seguro com pessoa do mesmo sexo). Recentemente, a ANVISA alterou esta resolução para proibir a doação de sangue de qualquer pessoa que tenha praticado ato sexual com mais de um parceiro nos últimos doze meses, mesmo que com preservativo (por motivos que transcendem a racionalidade, na medida em que sexo seguro não enseja contaminação por DSTs). Ora, se a ANVISA acredita na resposta a uma pergunta sobre a quantidade de parceiros sexuais, deve necessariamente acreditar na pergunta sobre a prática de sexo com ou sem preservativo, assim como, relativamente à postura anterior, se acredita na resposta à orientação sexual da pessoa (ou, se preferir-se, à “prática sexual de homens com outros homens”), tinha a obrigação de acreditar numa pergunta muito menos invasiva à intimidade da pessoa como a se ela praticou ou não sexo seguro (com preservativo) ou não.
Enfim, percebe-se como este verdadeiro inconsciente coletivo homofóbico que coloca gays como mais promíscuos do que héteros cria situações inacreditáveis de discriminações sociais, como a classificação de homossexuais não-celibatários como inaptos a doarem sangue… uma situação verdadeiramente inacreditável a pessoas com dois neurônios pensantes não-preconceituosos…
Portanto, deve acabar esta hipocrisia heterossexual, de sacralizar a heteroafetividade como “garantia de monogamia” e classificar a homoafetividade como “sinônimo de promiscuidade”. Deve-se superar este pensamento, por se pautar em uma profunda ignorância sobre contaminação por DSTs…
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Artigo de Regina Navarro: http://delas.ig.com.br/colunistas/questoesdoamor/fidelidade+e+mesmo+