O direito ao casamento civil e a inexistência de uma “união civil” na legislação brasileira

Em razão da candidata à Presidência da República Marina Silva insistir (nestas eleições/2014) em falar em “união civil” para casais homoafetivos para manter o casamento civil como exclusivo de casais heteroafetivos, bem como sua fala de que a Justiça teria reconhecido a “união civil” a casais homoafetivos, cabem alguns esclarecimentos.

Supremo Tribunal Federal reconheceu a união ESTÁVEL entre pessoas do mesmo sexo (STF, ADPF 132 e ADI 4277). O Superior Tribunal de Justiça reconheceu o direito ao CASAMENTO CIVIL entre pessoas do mesmo sexo (STJ, REsp 1.183.378/RS). O Conselho Nacional de Justiça, com base nas citadas decisões do STF e do STJ, determinou a obrigatoriedade do reconhecimento do CASAMENTO CIVIL entre pessoas do mesmo sexo a todos os cartórios de registro civil do país (CNJ, Resolução 175/2013), após várias decisões judiciais que reconheceram tal direito (ao casamento civil) aos casais homoafetivos que o pleitearam. Ou seja, a Justiça Brasileira não determinou (digamos assim) meros “direitos iguais com nomes diferentes”, ela determinou o reconhecimento do casamento civil e da união estável a casais homoafetivos, com igualdade de direitos relativamente aos casais heteroafetivos.

Sobre o argumento de que a Constituição teria afirmado que o casamento civil seria “entre homem e mulher”, vale citar, embora seja voto problemático em outro aspecto, vale a fala do Ministro Gilmar Mendes (STF) sobre o tema: “o fato de a Constituição proteger a união estável entre o homem e a mulher não significa, nem poderia [significar], negativa de proteção à união civil ou estável entre pessoas do mesmo sexo” (citação de memória, cf. ADPF 132 e ADI 4277) – o mesmo raciocínio vale para o casamento civil, o fato de a Constituição falar que os direitos e deveres da sociedade conjugal serão exercidos igualmente entre o homem e a mulher (art. 226, §5º) não significa negativa de proteção ao casamento civil homoafetivo… esse princípio do voto de Gilmar Mendes se aplica da mesma forma neste caso. Fora que o casamento civil já é uma união civil (uma união conjugal reconhecida pelo Estado e por ele formalizada, à qual ele atribui consequências jurídicas), donde criar outra apenas para casais homoafetivos com o intuito de negar o direito ao casamento (civil!) a eles é claramente segregacionista e inconstitucional, por denotar atribuição de menor dignidade a eles relativamente aos heteroafetivos, por considerar somente estes “merecedores” do casamento civil… fora que uniões civis normalmente garantem menos direitos, e se for garantir os mesmos direitos, que seja com os mesmos nomes, do contrário ter-se-á um contrassenso… se o casamento civil á é uma união civil, para que criar outra??? Como não ver segregacionismo nessa proposta/ideologia de “união civil paralela ao casamento civil” para uns enquanto para outros reconhece-se o direito ao casamento civil???

Ademais, o “nome” casamento CIVIL é importante porque a criação de uma “união civil paralela ao casamento civil” é feita no mundo inteiro por entender que casais homoafetivos não seriam merecedores/dignos do casamento civil e, por isso, querem criar um arremedo de casamento, que geralmente não concede os mesmos direitos, para que este (o casamento CIVIL) fique exclusivamente para casais heteroafetivos (a lei de “união civil” teria que dizer quais deseja, basta ver o “Projeto de União Civil” da Marta Suplicy, n. 1151/95, para ver como ele concedia bem menos direitos que o casamento civil, o mesmo valendo para o Substitutivo que a chamou de “Parceria Civil Registrada”; na França, o “Pacto Civil de Solidariedade”, criado para proteger casais homoafetivos no final dos anos 1990, logo bem antes do reconhecimento do casamento civil por lá, confere aproximadamente metade dos direitos do casamento civil). Ou seja, é um menosprezo a homossexuais relativamente a heterossexuais. É incompreensível não se ver segregacionismo nisso, pois o casamento civil já é uma união civil, então para que criar outra, exclusiva a casais homoafetivos? Uma segregação simbólica institucionalmente reconhecida pelo Estado (se aprovada uma tal “união civil paralela ao casamento civil” somente para que uns não acessem o casamento civil), que passa uma mensagem de que casais homoafetivos não seriam merecedores do casamento civil (do contrário, para que criar uma união civil paralela para eles?), o que inegavelmente contribui para o preconceito social que menospreza as uniões conjugais homoafetivas relativamente às heteroafetivas. No mais, nos lugares do mundo que reconhecem uma “união civil” tanto para casais homoafetivos quanto para heteroafetivos, existe também o casamento civil, permitido (ao menos em geral) somente para estes… Na França era assim, havia o “Pacto Civil de Solidariedade” acessível a ambos, mas somente os casais heteroafetivos podiam acessar o casamento civil… Ou seja, garante-se neles igualdade de acesso à “união civil”, mas não ao casamento civil… no mais, imagine-se, como diz o caríssimo Deputado Jean Wyllys (PSOL), se defendessem uma “união civil de bens para negros” enquanto se reconhecesse o casamento civil só para brancos (até meados do século XX o chamado “casamento inter-racial” era até criminalizado, imagine-se se oferecessem uma “união civil” específica para casais inter-raciais e não a extensão a eles do casamento civil…).

Logo, confundir casamento CIVIL com casamento RELIGIOSO é absurdo em um Estado Laico… Casamento civil é um direito civil/laico que deve ser reconhecido sem discriminações, o casamento religioso é um dogma religioso que as igrejas reconhecem se quiserem, mas que não tem (não pode ter) relevância para o conteúdo e abrangência do casamento civil, donde não cabe confundi-los… do contrário, teremos clara hipocrisia/incoerência: casamento “CIVIL” visto como um “sacramento” (SIC) ou “carregado de referências religiosas” (SIC) só para proibir sua extensão a casais homoafetivos, MAS não se vê ele como tal (“sacramento/carregado de referências religiosas”) para o divórcio, que continua proibido pelas religiões cristãs em geral (fiquemos com a católica, por exemplo – aliás, antes do século XX ainda havia locais que só permitiam o casamento entre católicos, mesmo com a separação entre Estado e Igreja, o que você fala seria a mesma coisa que evangélicos não lutassem pelo direito ao casamento CIVIL por ele ser supostamente “carregado de referências católicas”…).

Em suma, mesmos direitos com os mesmos nomes, como diz a campanha do casamento (CIVIL) igualitário do caríssimo Deputado Jean Wyllys (PSOL). O contrário é segregacionismo, como já afirmado pela Suprema Corte de Ontário/CAN (que disse que criar união civil paralela ao casamento civil apenas para casais homoafetivos não acessarem o casamento civil implica passar a “sinistra/nefasta mensagem” de que eles não seriam merecedores dele, ao contrário de casais heteroafetivos… violando assim o princípio da dignidade da pessoa humana, que veda essa indignificação arbitrária das pessoas…).

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