STF reconhece união estável homoafetiva – breves considerações e lembranças

A cidadania venceu importante vitória contra o totalitarismo heterossexista daqueles que não aceitam que @ outr@ possa ser feliz de forma distinta da conjugalidade heteroafetiva. O julgamento do Supremo Tribunal Federal que reconheceu a união estável homoafetiva reconheceu o óbvio: que não há proibição/restrição na Constituição apta a impedir o reconhecimento da família conjugal homoafetiva como união estável constitucionalmente protegida (ADPF 132 e ADIn 4277).

Continuo sem palavras para expressar o quão feliz estou, em primeiríssimo lugar pela vitória da hermenêutica constitucional inclusiva que reconheceu a lacuna normativa e corrigiu uma flagrante injustiça pelo reconhecimento jurídico-familiar da união estável homoafetiva, sem se render à hermenêutica ‘a la’ Montesquieu, de “juiz como mera boca que pronuncia as palavras da lei” (destaquei da tribuna que utilizar a redação do §3º do art. 226 como óbice seria acolher Montesquieu neste ponto, pois dizer que é reconhecida a união estável “entre o homem e a mulher” é diferente de dizer que ela é reconhecida “apenas entre o homem e a mulher”, donde a ausência deste “apenas” ou algo análogo permite o reconhecimento da lacuna normativa apta a ser colmatada para o reconhecimento da família homoafetiva como união estável constitucionalmente protegida pelo fato de a união homoafetiva constituir uma família conjugal, pois a família conjugal é o objeto de proteção do §3º do art. 226 da CF/88). Por outro lado, evidentemente fiquei muito feliz pela citação de minha pessoa e minha obra pelo Ministro Celso de Mello, pessoa de grandeza ímpar, cujos votos formam verdadeiras monografias jurídicas, ministro que muito admiro e respeito e que personifica perfeitamente o que a Constituição quer dizer com “notável saber jurídico” (requisito à indicação para o cargo de Ministro do STF).

É uma sensação indescritível, uma felicidade ímpar – três sonhos foram realizados: o primeiro de falar perante o Supremo Tribunal Federal neste processo (em prol da união homoafetiva enquanto entidade familiar merecedora de isonomia relativamente à união heteroafetiva), o segundo o da procedência das ações e o terceiro o de ser citado pelo Supremo Tribunal Federal. Isso mostra que todo o esforço acadêmico valeu a pena, foi uma verdadeira coroação de meu esforço até os dias de hoje sobre o tema.

Outra grande felicidade foi o número de pessoas que me congratularam, não só logo após minha fala no STF (após a qual houve um intervalo), quanto depois, por e-mails, facebook, twitter e orkut. Algo absolutamente gratificante: jamais imaginei que isso aconteceria – sempre pensei que tinha condições de auxiliar na obtenção de um julgamento favorável do STF sobre o tema, mas nunca tinha imaginado receber tantos agradecimentos de tantas pessoas. A tod@s, muito obrigado pelas amáveis palavras de agradecimento.

Igualmente gratificante foi a vitória por verdadeira goleada, sonoros 10×0! (e podemos considerar como 11×0, pois o Ministro Toffoli não votou porque já tinha apresentado parecer favorável à ADPF 132, ali julgada, quando era Advogado-Geral da União). Eu achava que as ações seriam julgadas procedentes, mas não imaginava a unanimidade! (imaginava um 7×3, 6×4, mas creio que ninguém esperava a unanimidade!)

Preparei-me para este julgamento desde 2009, quando despachei com o Ministro Ayres Britto e seus assessores logo após protocolar minha manifestação de amicus curiae (“amigo da corte”), tendo sido muito bem recebido pelo Ministro, que permitiu um frutífero diálogo no qual pude expor minhas opiniões jurídicas sobre o tema, em amplo respeito ao direito de advogados dialogarem com juízes em prol de suas teses (o que é uma prerrogativa reconhecida por lei a advogados, mas que não é muito respeitada por muitos juízes, como advogados em geral bem sabem). Bom saber que o esforço valeu a pena, pelo carinho e reconhecimento que tenho recebido por minha sustentação oral.

Digno de nota também o esforço dos advogados e advogadas presentes em prol dos amici curiae, pois conversamos antes do julgamento para verificar o que cada um(a) pretendia falar para otimizarmos melhor o tempo de fala para tratarmos da maior quantidade possível de temas. Um deles se esforçou/insistiu para que eu não falasse, para dar mais tempo aos demais, provavelmente por eu ser o menos conhecido dos advogados e advogadas ali presentes, mas sei que não foi nada pessoal; de qualquer forma, como ninguém abriu mão de seu direito a fala, não seria eu que iria fazê-lo, a uma porque isso não aumentaria o tempo dos demais, já que o Ministro Peluso (Presidente do STF) aceitou o acordo dos amici de falarem (somente) cinco minutos cada, a outra – e este o principal motivo de minha insistência – o de ninguém pretender tratar dos temas que tratei, pois os considero fundamentais enquanto jurista e estudioso do tema para a procedência das ações – e muito de minha fala foi desenvolvido por votos dos Ministros do STF sobre o tema, sobre ausência de limites semânticos no texto, união homoafetiva como entidade familiar e cabimento da analogia: obviamente os Ministros chegaram ao julgamento com isso em mente, evidentemente não estou dizendo que foi minha fala que gerou seus votos, apenas destaco a importância do enfrentamento dos temas que levei ao STF em minha sustentação oral. Sobre essa minha insistência, caem como uma luva as palavras de um querido amigo, Dário Neto, ao me parabenizar pela sustentação oral: ele disse “que basta uma paixão, um conhecimento, muitas teimosias e bastante determinação para que a defesa pelos direitos LGBT fosse coerentemente praticada” – determinação foi fundamental para eu não desistir de minha sustentação oral (e talvez um pouco de teimosia, ante a presença de ilustres juristas naquele dia – sendo que agradeço ao Professor Luís Roberto Barroso, renomado constitucionalista carioca que falou em prol do Governador do RJ, ter me dito que apoiava o direito a tod@s @s amici curiae falarem, que era o que eu estava defendendo, o que certamente acabou ajudando-me perante os demais amici curiae).

Foi uma pena não ter tido condições de ficar na quinta-feira para assistir ao julgamento inteiro por conta de compromissos profissionais inadiáveis: considerando que tínhamos absoluta certeza de que o julgamento seria suspenso por algum pedido de vista, não me programei para ficar na quinta-feira, donde a ética profissional com meus colegas de trabalho me impediu de ficar mais aquele dia. De qualquer forma, assisti a todos os votos, desde o do relator, Ministro Ayres Britto, na quarta-feira, bem como ao de todos os demais, na reprise da TV Justiça da madrugada de quinta para sexta-feira – nunca uma noite em claro foi tão agradável, ante o caráter paradigmático e histórico dos votos de todos os ministros e ministras do STF sobre o caso. Emocionante, também, a forma como fui citado pelo Ministro Celso de Mello ao final do seu voto, oportunidade na qual elogiou verbalmente meu livro como “excelente monografia jurídica” sobre o tema e lembrou também verbalmente minha sustentação oral do dia anterior.

Alguns agradecimentos são necessários:

Agradeço aos Ministros do Supremo Tribunal Federal pelos corajosos votos que, superando a letra fria da Constituição, realizaram a interpretação sistemático-teleológica que compatibilizou as normas constitucionais relativas à união estável com aquelas atinentes à isonomia, dignidade da pessoa humana, liberdade e segurança jurídica. Certamente não era a exegese mais fácil. Mais fácil era fazer como Lenio Streck, que se apegou à mera literalidade normativa para ver uma proibição/restrição que não existe[1]. Mais fácil era esse legalismo cego avalorativo de apego à mera literalidade da Constituição para reconhecer como juridicamente possível apenas aquilo que está escrito. Mas não foi esta a postura do STF, que em julgado corajoso, fez aquilo que o doutrinador britânico Neil MacCormick diz ser a função do juiz: o juiz deve buscar a justiça, mas uma justiça de acordo com a lei[2], com o que concordo no sentido de que a concepção de justiça do intérprete não pode afrontar os enunciados normativos vigentes na legislação – e foi isso que fez nossa Suprema Corte neste caso. Fez justiça dentro daquilo que permitem as normas constitucionais em uma adequada interpretação sistemático-teleológica, o que é algo que sempre merece aplausos, pois quem milita nos fóruns e tribunais em geral sabe que muitos juízes se escondem na letra fria da lei quando se deparam com temas polêmicos, escondendo-se em silogismos cegos avalorativos da lógica “premissa maior-premissa menor-conclusão” que não se atenta para a teleologia (finalidade normativa), para os valores que inspiram as normas/os enunciados normativos em análise.

Agradeço, também, a dois juristas em especial: Maria Berenice Dias e Luís Roberto Barroso.

 

Primeiramente, a Maria Berenice Dias. Ela foi a primeira jurista renomada a defender doutrinária e jurisprudencialmente o status jurídico-familiar das uniões homoafetivas, tanto em sua obra “União Homossexual. O Preconceito & a Justiça” (depois renomeada para “União Homoafetiva. O Preconceito & a Justiça”), na qual cunhou o termo homoafetividade para destacar o caráter afetivo-conjugal das uniões amorosas entre pessoas do mesmo sexo, de sorte a superar o preconceito segundo o qual uniões homossexuais seriam pautadas unicamente em desejos de luxúria sexual e nunca no amor/afeto genuíno, quanto em seus acórdãos na qualidade de Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (termo este consagrado pelo STF, que citou diversas vezes a homoafetividade/união homoafetiva nos votos deste julgamento). Foi extremamente criticada por isso por pessoas reacionárias e preconceituosas, que diziam que uma desembargadora não teria que se “meter com isso” (como ela sempre destaca), em frase cujo preconceito se destaca por si. Mas não se deixou abater. Fez história ao consagrar o termo homoafetividade no vocabulário jurídico (notório na doutrina e na jurisprudência) e, agora, nos dicionários (como o famoso Dicionário Aurélio, a partir de 2011), bem como por incentivar juristas do país inteiro a se debruçarem sobre o tema e defenderem o status jurídico-familiar da união homoafetiva (situação na qual me incluo, pois embora fosse defender o tema de uma forma ou de outra, a obra de Berenice é uma ode contra o preconceito e é uma fonte indispensável para quem se debruça sobre o tema dos direitos de casais homoafetivos, obra este que muito ajudou na formação de meu pensamento jurídico sobre o tema – sendo que me é motivo de muito orgulho ter meu livro prefaciado por Berenice e por ela ter dito, no prefácio, que meu livro é “um verdadeiro coroamento de toda uma trajetória de avanços e conquistas”, em referência às teses e julgados vanguardistas nele constantes, bem como pela menção de que, até aquele momento, “não havia surgido nenhum trabalho que abordasse o tema com todos os seus desdobramentos, de modo a evidenciar o surgimento de um novo ramo do Direito: Direito homoafetivo” e pela afirmação de que “A análise do tema sob o âmbito constitucional marca o diferencial desta obra. O estudo dos princípios fundamentais e a perfeita identificação dos meios de colmatar as lacunas deixadas pelo legislador dão um norte seguro a evidenciar que sequer são necessárias mudanças legais para inserir as uniões homoafetivas no âmbito de proteção do direito das famílias e direito sucessório” [3]. Berenice fez história ao ter seu neologismo homoafetividade acolhido pelo Supremo Tribunal Federal, citado diversas vezes por quase todos os ministros (não me recordo se o Ministro Gilmar Mendes a ele fez referência verbal, mas se não tiver, salvo engano terá sido o único). Enfim, se chegamos aonde chegamos, devemos muito a Berenice, que inclusive se aposentou e saiu do conforto da estabilidade de desembargadora para advogar em prol da causa, com escritório especializado em Direito Homoafetivo, de sorte a ajudar a inundar o Judiciário com ações que visem o reconhecimento dos direitos dos casais homoafetivos e da comunidade LGBT em geral. Devemos muito a Berenice porque foi sua luta que plantou as sementes que possibilitaram chegarmos ao STF com uma chance real de vitória e termos uma decisão unânime do STF sobre o tema. Sem Berenice, a luta certamente teria sido muito mais árdua.

Agradeço, ainda, ao Eminente Professor Luís Roberto Barroso. Constitucionalista de primeira grandeza, assumiu a causa como sua ao elaborar seu fenomenal parecer “Diferentes mas Iguais. O Reconhecimento Jurídico das Uniões Homoafetivas no Brasil”, no qual aplicou sua hermenêutica constitucional inclusiva e vanguardista ao tema para reconhecer a união homoafetiva como entidade familiar e como união estável constitucionalmente protegida pela aplicação direta dos princípios constitucionais ou, alternativamente, por analogia, com base nos princípios da isonomia, da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da segurança jurídica. Foi o citado parecer que inspirou a petição inicial da ADPF n.º 132 e da ADIn n.º 4277 – sendo que me causou surpresa ele não constar do processo, o que me fez elaborar petição sintetizando seus argumentos e juntando-o, juntamente com parecer-representação análogo assinado por diversos Procuradores da República, entre os quais o ilustre Daniel Sarmento[4]. Ademais, o Professor Barroso participou do julgamento, realizando sustentação oral em nome do Governador do Rio de Janeiro, interrompendo seus estudos nos EUA para participar deste histórico julgamento. Com isso, não há como deixar de comparar a atuação do Professor Barroso com a atuação do Eminente Constitucionalista Lawrence Tribe, renomado constitucionalista estadunidense que emprestou seu prestígio à luta judicial em prol da inconstitucionalidade da criminalização da sexualidade homoafetiva (a chamada “sodomia homossexual”) e da inconstitucionalidade da discriminação arbitrária, pautada em meros moralismos majoritários, a LGBTs em geral. Tribe, que é heterossexual, realizou sustentação oral perante a Suprema Corte dos EUA no caso Bowers vs. Hardwick e apresentou memorial de amicus curiae em outros dois julgados sobre direitos de LGBTs – Romer vs. Evans e Lawrence vs. Texas (no primeiro, com derrota; nos outros dois, com vitória[5]). Enfim, a comparação se dá porque nos EUA Tribe é um jurista heterossexual reconhecido como um renomado constitucionalista e defensor dos direitos humanos que emprestou seu prestígio em prol da luta contra uma injustiça[6] – e é assim que vejo a atuação do Professor Luís Roberto Barroso neste caso. Ele não tinha obrigação nenhuma de defender a união homoafetiva em sustentação oral perante o STF, mesmo com seu parecer favorável, mas o fez. Evidentemente o mesmo deve ser dito quanto a Maria Berenice Dias e a Oscar Vilhena Vieira, este último também um renomado professor de direitos humanos, que também realizaram sustentações orais no processo. Todos são heterossexuais que abraçaram a causa da homoafetividade na luta contra a injustiça homofóbico-heterossexista oriunda da negativa do status jurídico-familiar das uniões homoafetivas. É claro que é importante que os próprios membros da minoria estigmatizada se defendam diretamente (o que, aliás, sempre me impeliu a participar deste julgamento). Mas a existência de pessoas que lutam com louvor por causas que não são suas é motivo de celebração, pois nos traz esperança de que o mundo tem salvação.

Agradeço também ao Dr. Fernando Quaresma de Azevedo, amigo e aliado a quem muito agradeço pela confiança ensejadora de minha participação neste julgamento histórico representando a Associação de Incentivo à Educação e Saúde de São Paulo (AIESSP), por ele presidida. Aliás, Fernando foi o advogado que elaborou e assinou a ADIN n.º 3300, juntamente com Felipe Camargo de Araujo e com Carolina Terrão Bolla (então estagiários), na qual o Ministro Celso de Mello, apesar de extinguir a ação por questões formais, consagrou o debate por afirmar que concordava com o mérito da pretensão de reconhecimento da união estável homoafetiva, por analogia. Nesse sentido, também o Ministro Celso de Mello merece um especial agradecimento, pois ele não era obrigado a tecer tal manifestação de mérito, por ter entendido que a ação deveria ser extinta. Contudo, seu espírito humanista e contrário a injustiças certamente o impeliu a tecer tais considerações de mérito, que muito ajudaram na evolução da compreensão doutrinário-jurisprudencial destes últimos anos sobre o tema (sua decisão na ADIN 3300 foi proferida em 2004).

Um artigo de minha autoria foi publicado no dia 11/05/11 no site Jusnavegandi (http://jus.uol.com.br/revista/texto/19086/o-stf-e-a-uniao-estavel-homoafetiva), no qual dissertei sobre o tema, contestei alguns criticos, teci primeiras impressões sobre as consequências do julgamento do STF (em síntese: casamento civil e adoção conjunta por casais homoafetivos como direitos subjetivos decorrentes desta decisão) e fiz os agradecimentos supra explicitados. O artigo foi publicado também pelo site Conteúdo Jurídico (http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=.32025) no dia 13/05/11.

Como disse no início, a cidadania venceu importante batalha contra o totalitarismo daqueles que não aceitam que uma pessoa seja feliz de acordo com seu próprio modo de ser distinto da conjugalidade heteroafetiva. Outras batalhas em defesa das minorias sexuais certamente virão, mas essa vitória é paradigmática e histórica. É com muito orgulho que posso dizer que participei deste histórico julgamento, mediante sustentação oral representando a Associação de Incentivo à Educação e Saúde de São Paulo (AIESSP).

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Notas de Rodapé:

[1] Sei que Lenio Streck ficará extremamente incomodado com esta ilação, pois já debatemos pessoalmente e ele se ressente da acusação de “literalista” e “originalista”, dada sua postura crítica ao positivismo jurídico tradicional, inclusive deixando isso expresso em escrito que trata da união estável homoafetiva (de não considerar justo ser chamado de literalista ou originalista). Ocorre que não vislumbro outra explicação para sua exegese restritiva da união estável, pois como não está escrito que é reconhecida a união estável “apenas” entre homem e mulher, é injustificável sua postura de dizer que haveria “limites semânticos no texto” que impediriam a exegese adotada pelo STF no julgamento em análise.

[2] Citação feita de memória e por anotações pessoais, em obra na qual o autor afirma que isso significa que, embora os juízes não devam decidir casos exclusivamente de um modo justificável por simples dedução a partir de normas jurídicas de caráter compulsório, isso não pode significar que eles sejam deixados à vontade para seguir suas próprias intuições do senso comum e da utilidade da justiça, livres de todas as limitações. Assim, afirma que a área de alcance de sua liberdade, poder e dever de buscar soluções justificáveis em termos consequencialistas acerca do caso genérico é limitada pela exigência de que demonstrem algum fundamento jurídico para o que fazem, pelos princípios gerais que fornecessem essa orientação necessária, mas aponta que ditos princípios não são encontrados, e sim criados. Continua no sentido de que os ‘princípios gerais’ que fornecem essa orientação necessária, por um lado, mas limitação por outro, expressam as razões subjacentes às normas específicas que existem, donde, nessa qualidade, eles não são encontrados, mas criados.

[3] VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. MANUAL DA HOMOAFETIVIDADE. Da Possibilidade Jurídica do Casamento Civil, da União Estável e da Adoção por Casais Homoafetivos, 1ª Edição, São Paulo: Editora Método, 2008, pp. 12 e 13 (prefácio).

[2] Dita representação foi assinada pelos Procuradores Regionais da República Daniel Sarmento, Luiza Cristina Frischeisen, Paulo Gilberito Cogo Leivas, pelo Procutador Regional dos Direitos do Cidadão Sérgio Gardenghi Suiama, pelos Procuradores da República Renato de Freitas Souza Machado e Caroline Maciel da Costa, por Antônio Luiz Martins dos Reis (da ABGLT), por Nelson Matias Pereira (pela Associação da Parada do Orgulho GLBT/SP), pelo advogado Paulo Tavares Mariante (pelo Identidade – Grupo de Ação pela Cidadania Homossexual) e por Edmilson Alves de Medeiros (do grupo CORSA – Cidadania, Orgulho, Respeito, Solidariedade e Amor).

[4] Tribe defendeu com primor a descriminalização da sexualidade homoafetiva no caso Bowers vs. Hardwick, embora sua posição tenha restado vencida no inacreditável acórdão da Suprema Corte que, por 5×4, declarou que não haveria um “direito fundamental ao sexo homossexual na Constituição Americana”, subvertendo por completo a questão ao deixar de aplicar o direito à privacidade aos casais homoafetivos para tornar ilegítima a referida criminalização, em uma das decisões mais criticadas da história recente daquela Suprema Corte. Por outro lado, Tribe participou, como amicus curiae, dos casos Romer vs. Evans (que declarou inconstitucional uma emenda constitucional estadual que visava impedir a aprovação de qualquer lei anti-discriminatória voltada a pessoas LGBTs, na qual se declarou que o mero moralismo majoritário não é critério válido ante a isonomia para justificar discriminações jurídicas) e Lawrence vs. Texas (que superou Bowers e declarou a inconstitucionalidade de leis estaduais que criminalizassem o ato sexual consentido entre dois adultos, por afronta ao direito fundamental à privacidade dos mesmos, seja o ato sexual realizado entre duas pessoas do mesmo sexo ou entre duas pessoas de sexos diversos). Fiz uma pormenorizada análise-crítica destes julgados em minha dissertação de mestrado: VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. A Luta Judicial das Minorias Sexuais pela Cidadania Material, Dissertação de Mestrado, apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito (Área de Concentração: Sistema Constitucional de Garantia de Direitos), do Centro de Pós-Graduação, da Instituição Toledo de Ensino, para a obtenção do título de Mestre em Direito, sob orientação da Profª. Eliana Franco Neme, pp. 155-209 (dissertação esta aprovada com nota máxima).

[5] RICHARDS, David A. J. The Sodomy Cases. Bowers v. Hardwick and Lawrence v. Texas, 1ª Edição, Kansas: University Press of Kansas, 2009, pp. 106-107. Pede-se venia para transcrever a justa homenagem feita a Lawrence Tribe por David A.J.Richards: “A sustentação oral em Bowers, em contraste com aquela de Lawrence, foi impressionante não apenas pela sua reticência sobre sexo (que era, afinal de contas, sobre o que o caso versava), mas por seu foco essencialmente em formas proibidas de sexo em quartos [bedrooms] e em outros locais públicos. O caso em prol de Hardwick foi habilmente feito perante a Suprema Corte por um muito distinto e acadêmico e advogado constitucionalista, Lawrence Tribe, uma sustentação que claramente moveu Powell, inicialmente, a votar a favor de Hardwick neste caso. Mas a própria tentativa de Tribe de fundamentar o direito em questão em algo como relacionamentos pessoais de vida familiar claramente antagonizou Powell, como agora nós sabemos. Teria isso sido menos psicologicamente possível se Tribe, de fato um homem heterossexual, tivesse sido um homem gay ou uma lésbica e conhecido como tal, falando da experiência do papel que o sexo gay/lésbico em valorosos relacionamentos pessoais? Teria a sustentação oral em Brown v. Board of Education sido a mesma se não tivesse sido arguida por Thurgood Marshall, falando de sua experiência como um homem de cor sulista? Teria sido a sustentação oral em Roe v. Wade tido o mesmo poder de convicção se não tivesse sido arguida por Sarah Weddington, falando de sua própria experiência como uma mulher sobre o que contava [counted] como direito humano fundamental? O que Tribe fez em Bowers v. Hardwick foi paradigmático [pathbreaking], não apenas porque ele corajosamente trouxe à lume sua própria estatura pública de um importante estudioso de Direito Constitucional Estadunidense [leading U.S. constitucional scholar], desafiando responsavelmente, como ele fez em muitos outros casos, uma injustiça constitucional. Talvez, naquele tempo e lugar do milênio, ninguém, gay ou hétero, poderia ter feito melhor, ou talvez tão bem. Não seria nem razoável nem certo nem sábio limitar a advocacia constitucional a pessoas verdadeiramente sofredoras de injustiça. Mas Bowers v. Hardwick, lidando com um problema aonde o silêncio cultural teve um papel poderoso na sustentação da injustiça, sugere que a voz do sofrimento pessoal pode ser uma maneira de quebrar a barreira sonora do silêncio que sustenta profundas injustiças, de forma a encontrar uma audiência mais receptiva a suas pretensões. Decididamente, a sustentação oral em Lawrence v. Texas foi feita por Paul Smith, um ex assessor jurídico [law clerk] de Powell no início dos anos 1980, o qual, como outros homens de sua geração, casou-se e teve filhos apenas para descobrir seus verdadeiros sentimentos em outro lugar. Smith se divorciou de sua mulher, embora ele permaneça próximo dela e de seus filhos, e agora centra sua vida em um longo e estável relacionamento gay. A vida de Smith, tanto como homem e advogado, ilustra as escolhas de homens gays e de lésbicas que tiveram que fazer durante este período para centrar suas vidas em novas formas de amor que os direitos gays tornaram possível. Smith sustentou oralmente em Lawrence como um homem gay assumido”. Grifos nossos. Tradução Livre.

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