Vitória! Por unanimidade, o Tribunal de Justiça de São Paulo declarou a inconstitucionalidade contra Lei Municipal de Jundiaí (SindSerJun), que instituiu o ideologicamente direitoso e opressor Projeto “Escola Sem Partido” [de Esquerda]. Tive a honra e o privilégio de realizar sustentação oral, em nome do Sindicato dos Servidores Públicos de Jundiaí, tendo sido contratado na semana retrasada para tanto (coincidentemente, quando acertamos a contratação, foi marcado o julgamento). Agradeço aos queridos amigos que recomendaram minha contratação (Renan Quinalha, Felipe Pinheiro e Rose Gouvea), bem como ao entusiasmo e atuação do Rubens, do SindSerJun, para que a mesma fosse efetivada.
Apesar de eu pedir para focar não só no aspecto formal (Município não pode legislar sobre esse tema), mas também sobre o aspecto material/substantivo (as normas em questão violam direitos fundamentais de Professores e permitem a ampla censura prévia e punição posterior de quem discorde da ideologia claramente subjacente ao projeto), o Tribunal focou-se apenas no aspecto formal, sobre ser tema de competência exclusiva da União. Ou seja, ou se adota esse ideológico programa por lei federal (de âmbito nacional), ou ele não pode ser adotado em lugar nenhum, por se tratar de tema geral da educação que demanda lei nacional.
De qualquer forma, é uma decisão importantíssima. Segue abaixo o inteiro teor da minha SUSTENTAÇÃO ORAL, onde ingresso no tema substantivo também, nos limites do que foi possível pelo tempo de 15 minutos de fala (adequada em pouquíssimos lugares para um texto escrito, mas que segue a mesma linguagem verbalmente utilizada; itálicos e caixas altas denotam as entonações de voz para tons mais enfáticos; os três únicos colchetes são complementos para o texto escrito – e o único conceitual é o que fecha o penúltimo parágrafo, algo que não deu tempo de falar, mas creio que já estava claramente implícito pelo que falei anteriormente). Agora, a Câmara Municipal de Jundiaí pode recorrer ao Supremo Tribunal Federal, mas é um precedente importantíssimo vindo do notoriamente conservador Tribunal de Justiça de São Paulo. Após a sustentação oral, encontra-se também o MEMORIAL que elaborei e entreguei a alguns dos desembargadores (não a todos pela falta de tempo).
Como disse em outras ocasiões sobre o deplorável momento político que vivemos (onde o fascismo saiu do armário e está orgulhoso de si, sentindo-se “legitimado” pela lamentavelmente alta popularidade figura de Jair Bolsonaro), lutarei até o fim. Se adoram dizer que “as instituições estão funcionando normalmente” (SIC), então as forcemos a funcionar adequadamente, levando a sério os direitos fundamentais (constitucionais) e os direitos humanos (de tratados internacionais). É a arena que nos resta, ante a deplorável composição reacionária do Congresso Nacional recém-eleito (não obstante o crescimento de bancadas progressistas, que farão hercúlea resistência, tenho certeza, mas que serão minoritárias). Nunca abandonamos e jamais abandonaremos as instâncias políticas (Legislativo e Executivo). Mas, mais do que nunca, precisamos da função contramajoritária do Judiciário na defesa dos direitos fundamentais e dos direitos humanos. Estarei na linha de frente dessa luta, sempre.
Sustentação Oral
Processo n.º 2245833-33.2017.8.26.0000
Movida pelo Sindicato dos Servidores Públicos do Município de Jundiaí/SP
contra Lei Municipal de Jundiaí que instituiu o Programa “Escola Sem Partido” (sic)
Boa tarde, Excelências. Prazer estar aqui neste Órgão Especial para tratar de tema tão contemporâneo, um dos grandes debates morais dos últimos anos, Lei que positivou em Jundiaí o Projeto “Escola Sem Partido”.
Uma grande honra estar representando o Sindicato dos Servidores Públicos do Município de Jundiaí nesse sentido. A ação impugna a Lei Municipal 8850/2017, com parecer favorável da Procuradoria-Geral de Justiça, pela inconstitucionalidade tanto formal quanto material da lei. Preliminarmente, a Procuradoria concorda com a Inicial e rechaça a preliminar de ilegitimidade ativa, sob fundamento de que embora o Sindicato tenha mais servidores que professores, há servidores municipais associados que são servidores da rede de ensino. Então, essa lei, ao pretender restringir, limitar, a atuação do professor em sala de aula, evidentemente afeta parte relevante do Sindicato. A Procuradoria cita doutrina do Ministro Barroso, do Supremo, e jurisprudência do próprio Supremo afirmando que há pertinência temática quando parte dos associados é afetada, então há legitimidade ativa.
No aspecto da inconstitucionalidade formal, a Procuradoria ratifica dois aspectos. Primeiro, vício de iniciativa, PL proposto por parlamentar, vereador do Município de Jundiaí, mas ele afeta estrutura e disciplina do Executivo Municipal, ao estabelecer normas e restrições a servidores públicos. O que, segundo jurisprudência unânime do Supremo Tribunal Federal e deste Egrégio TJSP configura vício de iniciativa, não convalidável pela sanção do Executivo [Prefeito]. Há outro argumento de inconstitucionalidade formal, matéria de competência exclusiva da União Federal, a saber, instituir diretrizes gerais para a Educação Nacional. Ora, Excelências, pra isso que existe a Lei de Diretrizes e Bases. Não se trata de tema de “peculiar interesse” municipal, para usar a clássica expressão de Hely Lopes Meirelles, ou mesmo do interesse “local” dos Estados-membros. A ideologia subjacente ao Projeto “Escola Sem Partido” é um tema que ou é aplicado em âmbito nacional – o que espero que não aconteça – ou não pode ser aplicado e esse é o Parecer da Procuradoria. Trata-se de tema de alcance nacional, Aspas para a Procuradoria: “O assunto é da pertença das normas gerais da União, portanto não admite tratamento atomizado dos demais entes federativos”, então “não adquire eficácia o argumento de exercício competência normativa municipal”, como feito pelos impetrados. Trata-se de questão do princípio federativo.
E nós temos normas gerais da União que tratam sobre o tema da educação, Excelências. Na Lei Diretrizes e Bases, Lei Federal 9294/1996. No artigo 3º, III e IV, fala-se que as escolas devem promover a liberdade, promover a tolerância, é o que se pede nesta ação. Promover a liberdade e a tolerância e respeitar o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas. Com todas as venias, já entrando no aspecto material, substantivo, de inconstitucionalidade, esse Projeto não quer respeitar a pluralidade de concepção pedagógicas que não aquelas que I-DE-O-LO-GI-CA-MEN-TE os propositores e defensores do “Escola Sem Partido” defendem. Excelências, aqui nós temos o uso da palavra “ideologia” da mesma forma que quando se fala em “ideologia de gênero” que essa lei também trata, no art. 2º proíbe o debate sobre gênero e diversidade nas escolas. Usa-se ideologia no sentido pejorativo do termo, curiosamente o sentido marxista do termo, “algo contrário à realidade objetiva”, ideológico é sempre o Outro, nunca aquele que faz a crítica…
Então, para finalizar a questão da inconstitucionalidade formal, é um tema de abrangência nacional, a Lei de Diretrizes e Bases já fixa princípios a serem respeitados em âmbito nacional, estes princípios são violados pelas normas materiais e excessivamente vagas desta lei. Então, tem-se questão de inconstitucionalidade formal, por aspecto federativo. Lembremos que quando se dá validade a lei local, como a municipal, sobre uma lei federal, cabe recurso extraordinário, ao Supremo, não recurso especial, ao STJ, pela lei federal, por se tratar de um conflito federativo, de norma municipal, nesse caso, contra norma federal.
Então, acredito que será seguida a jurisprudência desta casa, sobre inconstitucionalidade formal, inclusive esse ano, em ação movida por meu constituinte, peço venias porque fui constituído semana passada neste processo, para sustentação oral, foi julgada procedente Ação Direta de Inconstitucionalidade contra lei municipal de Jundiaí, que também proibia gênero nas escolas, sob fundamento formal de que se trata de competência exclusiva da União Federal. Desde 2012, este Tribunal de Justiça atesta isso na questão sobre o debate de diversidade, cito precedentes deste TJ, várias ADIns nesse sentido, em 29012, ADI 029637162, esse Tribunal de Justiça, além deste aspecto formal, de competência legislativa, entrou no aspecto substantivo, que é aquele que eu vou ingressar agora e entendo que ainda que o Tribunal mantenha a inconstitucionalidade formal, é importante que se tenha um obter dictum da Corte sobre o aspecto substantivo. Por que?
Os ideólogos do Projeto Escola Sem Partido aparentemente querem defender que a Escola é um lugar de ensino técnico de português, matemática e afins para ser aprovado no vestibular, no ENEM. Não é isso que diz a LEI de Diretrizes e Bases, não é isso que diz a CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, que eles invocam para o direito dos pais para a educação moral dos filhos, também nas escolas. Mas como dito na petição inicial, o art. 13 (1) da Convenção fala que a educação deverá visar o pleno desenvolvimento da personalidade humana no sentido de sua dignidade e fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. Completamente incompatível com a postura que essa lei municipal faz, positivando o ideológico o Projeto “Escola Sem Partido”. Vejam como a Lei de Diretrizes e Bases é compatível com a Convenção Americana de Direitos Humanos, quando ela fala do dever das escolas em promover a liberdade e a tolerância. Vejam que eu foco na palavra tolerância, que está abaixo de respeito. Espero que as escolas incentivem o respeito, tratar o Outro como igual, ainda que se discorda, mas tolerância significa que, mesmo você achando o Outro inferior, você não agride, não discrimina, NÃO MATA. É dever das escolas promover a tolerância, promover a liberdade, no sentido LIBERAL de liberdade, em contraposição ao “comunitarista”, que marca as Democracias Ocidentais desde pelo menos a Revolução Francesa, em sua célebre Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, liberdade de se fazer o que se quiser, desde que não se prejudiquem terceiros. A escola deve promover esse valor, inclusive por imposição legal, e imposição convencional, no mínimo pelo dever de proibir todas as formas de discriminação, que, ao que me consta, também é um direito constitucional e direito humano.
Como dito por este Tribunal de justiça no precedente de 2012 que citei, a lei é muito vaga ainda por cima. Ela estabelece princípios muito vagos de “neutralidade”, “a escola não se imiscuirá na orientação sexual das crianças”, eu queria saber onde isso já aconteceu, “não imporá ideologias”, aonde isso existe? Casos pontuais há, à Direita também, não só à Esquerda, mas como norma generalizada? Não há provas que isso acontece no mundo objetivo, real. Mas o problema é que, como estre Tribunal já afirmou na citada ADIn, contra lei que proibia debate sobre homofobia nas escolas, ela é tão vaga, que longe de ser “ineficaz”, no sentido de inaplicável, ela permite a censura prévia pela autoridade administrativa, judicial ou seja lá qual for que vá decidir “o que é” ideológico e “o que não é”. E normas intoleravelmente vagas, bem sabemos, são inconstitucionais, não só no Direito penal, mas também no Direito Sancionatório Não-Penal, administrativo, e aqui temos sanção administrativa não-penal. Então, você tem o problema de excessiva vagueza, de intolerável vagueza, que permite a censura prévia, na prática.
Sobre a questão de gênero, do art. 2º. Excelências, eu sou do Movimento LGBTI, até por isso fui contratado, porque fiz sustentação oral no Supremo, nos casos da união homoafetiva, de direitos das pessoas trans, então falo com conhecimento de causa. Isso é uma difamação mundial que nos acusam de querer “transformar as crianças em gays” nas escolas. Isso é alegado no mundo inteiro. Eu queria saber aonde isso aconteceu? Tudo que se pede é que se reconheça a existência de crianças LGBTI, elas existem, eu fui uma criança gay com sete anos de idade, quem fecha os olhos à realidade objetiva é quem não reconhece que existem crianças e adolescentes LGBTI, como matérias jornalísticas e estudos mundo afora provam à saciedade, posso subir à Tribunal e esclarecer isso se quiserem, e combater o bullying homofóbico, transfóbico e machista. Quer-se que se promova a tolerância com pessoas de orientação sexual e identidade de gênero distintas da heterossexualidade e da cisgeneridade. É tão somente isso que se pede.
Vamos lembrar de onde surgiu essa discussão no Brasil. Final de 2014, Plano nacional de Educação. Ele falava em combater todas as formas de discriminação – tinha uma vírgula, “especialmente por raça, orientação sexual e gênero”. Foi isso que gerou essa histeria moral, daí que se inventou essa expressão atécnica de “ideologia de gênero”, contra um projeto que se limitava a demandar a proibição de discriminação por orientação sexual e identidade de gênero nas escolas. Fiz uma ADIn pelo PSOL contra o Plano Nacional de Educação, a ADI 5668, pendente de julgamento, para que o Plano Nacional de Educação seja interpretado como proibindo as discriminações por gênero, identidade de gênero e orientação sexual, onde denuncio isso, quem se mostra contra isso se mostra, a contrario sensu, a favor do bullying homofóbico, transfóbico e machista nas escolas. A única coisa que se quer é promover a tolerância à diversidade.
Na questão do “Escola Sem Partido” propriamente dito, se tem uma outra difamação, parece que nas escolas você tem uma “ditadura esquerdopata” querendo oprimir o aluno que pense de maneira diferente. Parece que não há prova de que isso exista. Mas ninguém é neutro, Excelências. É impossível o Professor não se posicionar sobre todos os temas, você pode exigir que o Professor fale sobre todas as posições possíveis, mas você não pode querer exigir que o Professor manifeste criticamente o lado com o qual concordo. E ninguém vai discutir na aula de Matemática, mas ideólogos do “Escola Sem Partido” querem discutir Creacionismo, que é uma matéria religiosa, na aula de Ciências… Então vamos entender a teleologia subjacente a isso [a intenção subjacente à redação aparentemente “neutra” da lei, porque ideologicamente enviesada com valores da direita, contra tudo que questione a naturalização do neoliberalismo, no âmbito econômico, e da heteronormatividade e da cisnormatividade no âmbito moral]
Meu tempo está acabando e eu quero dizer uma última coisa, no aspecto formal. O controle sobre o conteúdo do que se fala em sala de aula é feito pelo Ministério da Educação e pelas Secretarias de Educação – Vossas Excelências, imagino que a maioria seja formada por Professores, eu sou Professor de Direito, quando eu vou dar aula, eu recebo o Plano de Ensino, com todos os tópicos, de Direito Civil, Constitucional, Processo Civil que eu tenho que dar em sala de aula. Então o controle democrático está no Poder Executivo.
Então, por todo o exposto, requer-se a procedência da ação pelo aspecto formal, seguindo parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, por vício de iniciativa e [por ser] tema de competência exclusiva da União, reconhecida a legitimidade ativa do Sindicato, e por inconstitucionalidade material, violar valores como pluralismo, alteridade e respeito à dignidade. Conforme precedente do Ministro Barroso, que suspendeu lei estadual no mesmo sentido, na ADPF 461. Muito obrigado, e permitam-me cumprimentar o Excelentíssimo Desembargador Malheiros, já dividimos palestras, é um grande prazer falar perante Vossas Excelências neste Órgão Especial.
MEMORIAL
Processo n.º 2245833-33.2017.8.26.0000
Movida pelo Sindicato dos Servidores Públicos do Município de Jundiaí/SP
contra Lei Municipal de Jundiaí que instituiu o Programa “Escola Sem Partido” (sic)
EXCELENTÍSSIMOS SENHORES DOUTORES DESEMBARGADORES DO COLENDO ÓRGÃO ESPECIAL DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO.
Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2245833-33.2017.8.26.0000
SINDICATO DOS SERVIDORES PÚBLICOS DO MUNICÍPIO DE JUNDIAÍ, devidamente qualificado nos autos do processo em epígrafe, que promove em face de PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE JUNDIAÍ, por seu advogado signatário, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fulcro em seu direito constitucional de petição, apresentar MEMORIAL, consoante as razões a seguir aduzidas:
A presente ação direta de inconstitucionalidade volta-se contra a Lei Municipal n.º 8.850/2017, de Jundiaí/SP, que visa instituir o famigerado e notório programa “Escola Sem Partido” (sic), o qual, a pretexto de garantir suposta “neutralidade” de Professores(as), acaba impondo verdadeira censura no ensino, como se demonstrará a seguir. Relate-se, preliminarmente, que, após a chegada das Informações da Câmara Municipal de Jundiaí, foi proferido parecer favorável da Procuradoria-Geral de Justiça – o qual, em síntese, aduziu:
(i) a legitimidade ativa do Sindicato-impetrante, por se tratar de lei que afeta diretamente parte relevante de seus associados, donde presente a pertinência temática autorizadora da impetração;
(ii) a inconstitucionalidade formal da referida lei, porque (ii.1) visa alterar a estrutura e disciplina do Poder Executivo, ao instituir normas de conduta a funcionários públicos municipais (Professores/as), algo que a jurisprudência uníssona do STF e do TJSP demanda Projeto de Lei de Iniciativa do Executivo, e não de iniciativa parlamentar, como no caso (cf. arts. 5º, 24, § 2º, 2, e 47, II, XIV, e XIX, “a”, CE/SP); (ii.2) trata de matéria que versa sobre competência exclusiva da União, a saber, instituir diretrizes para a educação, que demanda lei de alcance nacional, donde incompetente o Município para tanto (cf. art. 22, XXIV, CF c.c. art. 144 da CE/SP);
(iii) a inconstitucionalidade material da referida lei, porque viola as imposições constitucionais que demandam a promoção, na educação, de “valores como pluralismo, alteridade, respeito à dignidade e à liberdade da pessoa humana, cidadania, formação crítica, informação e repulsa a discriminações ou preconceitos de ordem sexual, desenho normativo que não se coaduna com o teor da lei contestada, cuja aplicação é assaz subjetiva e tendente à censura pedagógica” (cf. art. 237 da CE/SP).
No mesmo sentido, a petição inicial, ao aduzir que referida lei é inconstitucional, “pois não respeita o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, não respeita a liberdade de aprender e de ensinar, não respeita a liberdade, não respeita a tolerância e a gestão democrática do ensino público, além de afrontar diretamente a Constituição do Estado de São Paulo e invadir competência da União para legislar sobre o tema” (g.n). Bem como inconvencional, por violar o art. 13 (1) da Convenção Americana de Direitos Humanos, que aduz que “a educação deverá visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. Concordam ainda em que a educação deverá capacitar todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade livre, favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz” (g.n) – algo manifestamente incompatível com a noção de “mero ensino técnico voltado à aprovação no vestibular”, que claramente o “Projeto Escola Sem Partido”, positivado pela lei impugnada, visa supostamente promover (e “supostamente”, pois, na verdade, ele visa naturalizar concepções neoliberais, heterossexistas e cissexistas de sociedade, subalternizando e discriminando quaisquer concepções críticas e identitárias que contrariem esses estereótipos sociais e conclamem ao enfrentamento de intolerâncias e discriminações respectivas – cf. infra).
Os fundamentos do parecer da E. PGJ, aliados ao da petição inicial, são suficientes para a procedência da ação. Permita-se, apenas, um breve reforço.
Na questão da inconstitucionalidade formal, deve-se levar em conta o princípio federativo, que, como se sabe, demanda leis de abrangência nacional para temas gerais a toda a nação, só admitindo leis estaduais e municipais para temas “locais”, no âmbito dos Estados, e de seu “peculiar interesse”, no caso dos Municípios. A polêmica proposta (ardilosamente enviesada) do “Projeto Escola Sem Partido” (sic) demanda amplo debate nacional, não sendo admissível que alguns entes federativos o adotem e outros não, por se tratar de matéria atinente ao interesse educacional de toda a nação. Como bem dito pela E. PGJ, “A disciplina do conteúdo daquilo que possa ser veiculado nas atividades escolares é assunto que não se situa no domínio normativo periférico de Estados ou Municípios. É tema que reclama uniformidade e centralidade, possuindo generalidade, e cujo trato se radica na competência normativa da União, nos termos do art. 22, XXIV, da Constituição Federal”, donde “O assunto é da pertença das normas gerais reservadas à União porque não admite tratamento atomizado nos demais entes federados. Portanto, não adquire eficácia a alegação de exercício da competência normativa municipal” (g.n).
Logo, não há dúvida sobre a inconstitucionalidade formal da referida lei municipal, por versar sobre tema de competência exclusiva da União Federal (aspectos gerais da educação), bem como por alterar a estrutura e atribuições de servidores públicos, algo que a jurisprudência do STF e deste TJSP exige que se dê por projeto de lei de iniciativa do Poder Executivo, por força do princípio da separação dos poderes – pois, segundo a PGJ, “A lei local impugnada impõe, ainda que em parte indiretamente, comando negativo (proibição) a órgãos públicos (estabelecimento de ensino da rede pública municipal), referente ao desenvolvimento de sua atuação, interferindo na gestão do Poder Executivo sobre os órgãos que lhe são subordinados”, violando assim a “reserva de Administração” que a jurisprudência uníssona entende haver sobre o tema (STF, ADI-MC 2.364/AL, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 14.12.2001).
Na questão da inconstitucionalidade material, como bem percebido pela E. PGJ, não se pode deixar de notar que se trata de uma enviesada tentativa de naturalizar pensamentos hegemônicos, para excluir pensamentos críticos e minoritários da educação nacional. Não à toa, seus ideólogos são todos de ideologias de Direita, de livre mercado, que querem naturalizar o neoliberalismo, a heterossexualidade e a cisgeneridade, afirmando que somente concepções de esquerda seriam “ideológicas”. Os ideólogos de referido projeto pretendem tornar “intolerável” debates em prol de um Estado de Bem-Estar Social, preocupado com a intervenção do Estado no domínio econômico para garantia da igualdade real dos cidadãos entre si e coibir opressões de particulares por outros particulares (como, aliás, impõe a Constituição Federal de 1988, em seu art. 3º e respectivos incisos!). Bem como pretendem tornar “intolerável” a promoção do respeito à diversidade sexual e de gênero nas escolas – pois, goste-se ou não, existem crianças LGBTI, que sofrem bullying homofóbico e transfóbico, para o que as escolas não podem fechar os olhos, devendo proteger as crianças vítimas de homofobia e transfobia. Bem como as meninas cisgênero vítimas de machismo e bullying machista. A verdadeira cultura de estupro nefastamente existente em nossa sociedade.
Lembre-se, sobre o tema, que a Lei de Diretrizes e Bases (Lei Federal n.º 9.394/1996), lei com diretrizes gerais sobre a educação nacional que, pelo princípio federativo, deve ser respeitada por todos os entes federativos locais, sob pena de inconstitucionalidade, estabelece, em seu art. 4º, III e IV, que o ensino será ministrado com base nos princípios do “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas” e do “respeito à liberdade e apreço à tolerância”. Nada mais contrário a estes princípios gerais da educação nacional do que o que pretende o “Projeto Escola Sem Partido”. Com efeito, a suposta “neutralidade” que prega, além de impossível (nenhuma pessoa humana é “neutra”, pois todas e todos têm seus valores e perspectivas próprias de interpretar o mundo), acabaria por transformar a escola em uma espécie “ensino técnico voltado à aprovação no vestibular” (atualmente, o ENEM). Não há como promover a liberdade, a tolerância e o pluralismo ideológico se Professoras e Professores não puderem realizar uma análise crítica das injustiças sociais e conclamarem alunas e alunos a não discriminarem pessoas por seus modos de ser e de viver que não prejudiquem terceiros.
Sobre a vedação ao debate a “concepções ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias” (sic), a PGJ muito bem compreendeu a real finalidade disso, a saber, promover a censura a estudos que questionem estereótipos hegemônicos na sociedade. A lei é tão vaga que não se pode saber o que, exatamente, se visou declarar ilícito (e até as pedras sabem que o que verdadeiramente se quer é tornar intoleráveis concepções críticas ao capitalismo selvagem, ao neoliberalismo e à imposição compulsória da heterossexualidade e da cisgeneridade, como a realidade dos apoiadores de referido projeto demonstra à saciedade). E, como já decidiu este E. TJSP, uma lei tal, longe de ser “ineficaz”, estimula uma censura de livros e concepções pedagógicas que contrariem interesses subjetivos de quem detém o poder de julgar (TJSP, ADI n° 0296371-62.2011.8.26.0000, julgamento no dia 1º de agosto de 2012 apud Parecer da E. PGJ)
Sobre a exigência de concordância de todos os pais, nas escolas¸ para que temas morais controversos possam ser discutidos, essa norma teratológica inviabilizará o trato de quaisquer temas que não seja uma espécie de “ensino técnico para aprovação no vestibular”, como dito. É impossível o consenso de todos os pais sobre temas diversos, razão pela qual o máximo que a escola pode fazer é abordar determinado tema com argumentos de ambos os lados, mas sem atribuir aos pais o poder de censura a tudo aquilo que lhes desagrade. Pais intolerantes não podem exigir que a escola não combate a intolerância, inclusive por força do citado art. 4º, III e IV, da LDB.
Sobre o alegado direito dos pais ao fornecimento de educação moral a seus filhos, a invocação deturpa o significado de dito direito. Os pais têm o direito de, em casa, fornecer a educação moral que melhor lhes aprouver, mas as escolas têm o dever de promover a liberdade, o pluralismo e a tolerância, como consectário lógico do direito fundamental e humano à não-discriminação de crianças e adolescentes integrantes de minorias e grupos vulneráveis. Ou seja, o argumento em questão ignora que a concordância prática de referidos direitos deve se dar garantindo-se aos pais fornecerem a educação moral que melhor lhes aprouver em casa, proibindo-se totalitarismos morais impostos pelo Estado em favor de determinados valores em detrimento de outros, enquanto nas escolas, deve-se promover a convivência com pessoas das mais diversas formações e modos de ser e viver (em tudo que não prejudique terceiros, como o conceito liberal, em contraposição ao comunitarista, de liberdade demanda), promovendo-se a tolerância e a liberdade (quiçá, o respeito, mas pelo menos a tolerância). Os pais não têm o poder de proibir as escolas de ensinarem temas que meramente lhes desagradem – se não gostam de determinado enfoque, podem perfeitamente mudar seus filhos de escola ou lutar para que outros pontos de vista sejam igualmente mencionados, mas não podem pretender censurar as escolas de tratar de temas polêmicos contemporâneos sob o aspecto crítico.
Ademais, e retomando o tema da liberdade e da tolerância, a lei em questão, ao acolher a noção teratológica de verdadeiro espantalho moral que se inventou com o conceito de “ideologia de gênero” (sic), acaba por impedir, na prática, que Professoras e Professores coíbam a discriminação contra crianças LGBTI, algo que viola a proibição constitucional de discriminações de quaisquer espécies (CF, art. 3º, IV). Entenda-se, utiliza-se do termo “ideologia” no sentido pejorativo (curiosamente, o marxista), como “algo contrário à realidade objetiva”, para se defender que as crianças “nasceriam” heterossexuais e cisgêneras e só se “tornariam” LGBTI+ por uma questão de “escolha”, na maioridade. Abstraída a problemática dessa noção de “ideologia” em ciências humanas/sociais (ciências da compreensão/valoração, em contraposição às ciências exatas, da constatação), fato é que quem age de forma “ideológica”, no sentido de “contrária à realidade objetiva”, é quem nega a existência das crianças LGBTI. Evidentemente, a criança normalmente não conhece essa terminologia, mas é fato objetivo e inconteste que, da mesma forma que há meninos que querem “namorar” com meninas (na lógica do afeto lúdico que se considera absolutamente normal entre crianças), há meninos que querem namorar com meninos (gays), meninas com meninas (lésbicas) e crianças e adolescentes que querem namorar ou meninos, ou meninas (bissexuais). Da mesma forma, há crianças que classificamos como “meninos” em razão de seu genital, ao nascer, que se identificam como meninas e crianças que classificamos, pela mesma razão, como “meninas”, mas que se entendem como meninos. Hà diversas matérias e estudos que comprovam a existência de crianças LGBTI, as quais precisam ser protegidas do bullying homofóbico e transfóbico (vide estudo empírico, por questionários, da ABGLT, anexo, com relatos de pessoas LGBT sobre as discriminações que sofreram nas escolas). É apenas isso que o Movimento LGBTI+ sempre demandou: a proteção contra a homofobia e a transfobia nas escolas. É teratológica em níveis transcendentais a difamação mundial de que se estaria a querer “transformar” as crianças em homossexuais ou transexuais. Como o signatário sempre diz, essa é uma versão LGBTI dos nefastos “Protocolos dos Sábios do Sião”, que, no passado, foram inventados para difamar a comunidade judaica e promover o antissemitismo.
Lembre-se que esse debate sobre “ideologia de gênero” surgiu, no Brasil, quando o Plano Nacional de Educação previa o enfrentamento de todas as formas de discriminação, especialmente por raça, orientação sexual e gênero. Esse foi o contexto normativo que fez surgir essa teratológica histeria moral contra o debate sobre gênero nas escolas. Tudo que se quer é combater o bullying homofóbico, transfóbico e machista nas escolas, apenas isso. Quem se opõe a isso, a contrario sensu, defende a discriminação homofóbica, transfóbica e machista nas escolas. Pura e simplesmente. Daí a flagrante inconstitucionalidade material da proibição de se tratar do enfrentamento do preconceito e da discriminação nas escolas, como, aliás, precedentes deste E. TJSP já reconheceram (cf. parecer da E. PGJ – TJSP, ADI nº 2216281-23.2017.8.26.0000, Rel. Moacir Peres, j. 21.03.2018; ADI n° 2137274-79.2017.8.26.0000, julgamento no dia 8de novembro de 2017; ADI n° 0296371-62.2011.8.26.0000, julgamento no dia 1º de agosto de 2012).
Aliás, esse último julgado citado (ADI n° 0296371-62.2011.8.26.0000) é paradigmático e merece reflexão, por ingressar no tema da inconstitucionalidade material e deixar claro que proibições vagas como a da presente lei são inconstitucionais, por serem tão amplas que permitirão ao subjetivismo discriminatório promover censuras diversas, senão vejamos:
“[…] 1. Ainda que inegavelmente seja interesse também do Município o de zelar pela boa educação de seus cidadãos, não há, no que respeita à educação para a prevenção da homofobia, para o respeito e tolerância da diversidade sexual, e para a discussão sobre a liberdade de orientação sexual, qualquer caractere de preponderância de interesse em seu favor. Inexistindo qualquer peculiaridade no Município de São José dos Campos envolvendo o tema, tem seque ele transcende o interesse local, do que deriva a usurpação de competência legislativa.
2. O debate acerca da homofobia e a educação para o respeito e tolerância do indivíduo homossexual estão calcados na própria Constituição do Estado de São Paulo. As tentativas de se subtrair do âmbito escolar a discussão desta questão social viola o art. 237, II e VII, da Constituição do Estado de São Paulo, posto que a educação é dever conjunto do Estado e da família, e não apenas desta.
3. Ainda que se entendesse como legítima a ratio eleita pelo Legislativo Municipal, qual seja, impedir a veiculação de material que estimulasse determinado comportamento, a lei não traz qualquer delineamento do que seria ‘material que possa induzir a criança ao homossexualismo’. Esse defeito, longe de ocasionar a ineficácia da norma, termina por ampliar os poderes das autoridades municipais, as quais estariam então autorizadas a selecionar os livros, informes, vídeos, conteúdos programáticos a serem ministrados nas escolas municipais, mediante apreciação subjetiva e aberta quanto ao suposto potencial de ‘induzir ao homossexualismo (sic)’. Patente, portanto, a ofensa ao princípio da razoabilidade” (grifos nossos)
Dito precedente se encaixa como uma luva na questão sobre proibição à chamada “ideologia de gênero” (sic) na lei ora impugnada. Sequer delimita que tipo de práticas seu art. 2º considera que “compromete[riam] o desenvolvimento da personalidade” de crianças e adolescentes. Tudo leva a crer que permitirá verdadeira caça às bruxas, por intermédio de censuras e intimidações via processos judiciais e administrativos intoleráveis em um Estado Democrático de Direito.
Aliás, para finalizar este tema, o art. 2º da lei impugnada é claramente enviesado e deturpa o que se pretende. Não se quer “comprometer o desenvolvimento da personalidade” de ninguém, pois não se quer “incentivar” crianças e adolescentes a assumirem nenhuma orientação sexual ou identidade de gênero específica. Quer-se que, ao se debater temas como gênero, sexualidade, homofobia, transfobia e machismo, respeite-se a pluralidade social, na medida em que há crianças LGBTI nas escolas, o que é dado objetivo e inconteste, e elas precisam ser protegidas. Ademais, dito dispositivo, ao inventar o conceito de “identidade biológica do sexo” (SIC), acaba, ele próprio, impondo determinada ideologia – a ideologia de gênero heterossexista e cissexista, que prega a heterossexualidade compulsória e a cisgeneridade compulsória, ao impor como único padrão “aceitável” a heterossexualidade e a cisgeneridade em crianças e adolescentes. Embora haja um senso comum (atécnico) que acredita que as crianças “nasçam” heterossexuais e cisgêneras, isso não corresponde à realidade objetiva dos fatos, como já explicitado. Daí que dito dispositivo, por deturpar a realidade, é inconstitucional, pela arbitrariedade que promove, de sorte a violar o princípio constitucional da razoabilidade. Bem como da proporcionalidade, pois sua deturpação não protege bem jurídico constitucional nenhum (medida inadequada), já que combater homofobia, transfobia e machismo nas escolas não promove de forma nenhuma direitos de crianças e adolescentes heterossexuais e cisgêneros, de sorte que se trata de medida desnecessária, já que outras podem ser tomadas para tal fim, além de ser uma medida desproporcional em sentido estrito, pois nega o direito à não-discriminação de crianças e adolescentes LGBTI sem nenhum bem jurídico-constitucional a ele contraposto (“não há nem o que ponderar”).
Tal foi, inclusive, reconhecido pelo STF, em decisão cautelar da lavra do Eminente Ministro Roberto Barroso, que vale a transcrição:
“Violação à competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (CF/88, art. 22, XXIV), bem como à competência deste mesmo ente para estabelecer normas gerais em matéria de educação (CF/88, art. 24, IX). Inobservância dos limites da competência normativa suplementar municipal (CF/88, art. 30, II). Supressão de domínio do saber do universo escolar. Desrespeito ao direito à educação com o alcance pleno e emancipatório que lhe confere a Constituição. Dever do Estado de assegurar um ensino plural, que prepare os indivíduos para a vida em sociedade. Violação à liberdade de ensinar e de aprender (CF/88, arts. 205, 206, II, III, , e art. 214).Comprometimento do papel transformador da educação. Utilização do aparato estatal para manter grupos minoritários em condição de invisibilidade e inferioridade. Violação do direito de todos os indivíduos à igual consideração e respeito e perpetuação de estigmas (CF/88, art. 1º, III, e art. 5º). Violação do princípio da proteção integral. Importância da educação sobre diversidade sexual para crianças, adolescentes e jovens. Indivíduos especialmente vulneráveis que podem desenvolver identidades de gênero e orientação sexual divergentes do padrão culturalmente naturalizado. Dever do estado de mantê-los a salva de toda forma de discriminação e pressão. Regime constitucional especialmente protetivo (CF/88, art. 227).
Plausibilidade do direito alegado e perigo na demora demonstrados. Cautelar deferida”.
(STF, ADPF 461, Ministro Relator Roberto Barroso, decisão proferida no dia 16 de junho de 2017)
Pelo exposto, reiteram-se os termos da exordial e do parecer da PGJ, para que se julga procedente a presente ADI, como medida da mais lídima JUSTIÇA!
Termos em que,
Pede e Espera Deferimento.
São Paulo, 23 de outubro de 2018.
Paulo Roberto Iotti Vecchiatti
OAB/SP 242.668