VITÓRIA!!! O Tribunal de Justiça de SP, por unanimidade, manteve a condenação de Reinaldo Azevedo, Veja e Radio Jovem Pan pelas injúrias que o primeiro perpetrou contra a querida Laerte Coutinho em coluna dele – eu fui lendo e citei dezessete injúrias na coluna, na minha sustentação oral. Falei logo após a querida Márcia Rocha – Luxo e Poder, primeira advogada travesti a sustentar oralmente perante o TJSP. E citei na minha fala que foi o pedido de Márcia, por intermédio da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero e Combate à Homofobia e a Transfobia da OABSP que gerou o direito ao uso do nome social de pessoas trans nas carteiras da OAB! Maravilhosos os votos reconhecendo a gravidade das injúrias transfóbicas contra Laerte, mantendo o valor de cem mil reais. Que a petição inicial desde sempre destacou que será doado ao Movimento Mães pela Diversidade! (Majú Giorgi!).
E depois fui correndo dar palestra no Forum Central de SP, em evento da Escola Paulista de Magistratura, juntamente com o querido Dimitri Sales, sobre “Infância, Juventude e Transexualidade”, onde falamos sobre o direito de ser trans e LGBTI em geral, combatemos o espantalho moral da deturpação fundamentalista sobre “ideologia de gênero” (sic) entre outros temas! E lá encontramos nosso queridíssimo e fantástico Professor Pietro Alarcon, de quem tive a honra de ser aluno no Mestrado e Doutorado na Instituição Toledo de Ensino/Bauru!
#ContraTransfobiaNossaLutaéTodoDia
#CidadaniaLGBTI
Segue a íntegra de nossas sustentações orais, na ordem em que ocorreram (primeiro a de Márcia, depois a minha – destaques todos meus, inclusive no texto de Márcia; colchetes idem):
Sustentações Orais
Processo n.º 1125312-38.2015.8.26.0100
Márcia Rocha (Luxo e Poder!)
“Gostaria de saudar os Senhores Desembargadores, demais presentes e ilustres colegas e ressaltar a importância histórica deste momento em que, pela primeira vez uma pessoa assumidamente travesti, vem ao Tribunal fazer uma Sustentação Oral com o uso de seu nome social, conforme concedido pela Ordem dos Advogados do Brasil em 2016:
Passando à minha fala propriamente dita, eu gostaria de dizer que vivemos tempos funestos! Por todo o mundo, pessoas que não concordam com o modo de vida, com a expressão ou a religião de um outro, metralha, esfaqueia, atropela, explode pessoas inocentes. Não se trata, absolutamente, de matéria jornalística no caso específico. No Brasil – números obtidos ontem – somente este ano, cento e cinquenta pessoas trans foram assassinadas [por transfobia]. Somente neste ano!
No Brasil, pessoas trans são privadas de seus direitos cotidianamente. Nas escolas, sofrendo bullying, sofrendo violências muitas vezes dos próprios professores, em suas próprias famílias, têm o seu direito de ir e vir ameaçado por violências, pelo medo de andar na rua, bastando expor-se para estar sujeito a toda sorte de violências; temos nosso direito à expressão em nossos próprios corpos recusado muitas vezes; O nome, um nome condizente com nossa imagem recusado, muitas vezes, sendo necessário recorrer à justiça para ter um nome condizente com a nossa imagem; Ou seja, enfim, nossa dignidade é ameaçada todo o tempo. E por que? Em razão de valores que permeiam o senso comum, que entendem que somos seres de outra categoria, de segunda ou terceira categoria.
No caso específico, tenta a defesa do réu, ora apelante, por todo o processo, justificar suas violências, alegando que Laerte Coutinho é Laerte Coutinho. Que tem suas características, suas ideologias, suas expressões, sua maneira de se vestir… como se ser quem é, cujo direito é defendido pela Constituição, justificasse a violência!!!
Termos como: Baranga moral, fraude de gênero, baranga na vida, homem-mulher, falsa senhora, fraude moral, ser asqueroso, e exibicionista doentio, não são meras discussões entre colegas. Não são do interesse público de uma matéria jornalística.
Tenta ainda, o apelante, alegar que por Laerte ser uma figura pública, estaria justificada (ou) estariam justificadas críticas – abre aspas, críticas, fecha aspas – a serem dirigidas à sua pessoa. Entretanto, Excelências, imaginemos um caso de um Tribunal proferindo uma sentença, e alguém descontente, for atacar publicamente a calvície, o gênero, a cor da pele, a obesidade, a idade… dos membros daquele tribunal. Data maxima venia, isso seria absurdo, e teratológico!
E ainda, para finalizar, o réu/apelante, imediatamente após a sentença de primeira instância, foi nas mesmas mídias, ora corréus, e reiterou todas as suas afirmações! Mencionando que os advogados haviam publicado a vitória de primeira instância, então ele se achava no direito de reiterar todas as ofensas que ora mencionei. Um verdadeiro escárnio à justiça!
Portanto, eu agora representando não a penas a autora mas toda uma categoria humana, evoco aqui a Deusa Temis, à Deusa Temis para que vendada, sopese em sua balança as questões ora expostas, e erga sua espada na defesa daqueles por quem ninguém mais o fará!
Muito obrigada”.
(Fonte: <https://www.facebook.com/marcia.rocha.33/posts/1356168617844907>. Acesso em 24.10.2017)
Paulo Iotti
Bom dia, Excelências. É uma grande responsabilidade falar depois da Dra. Márcia Rocha, responsável, aliás, pelo pedido que permitiu que advogadas e advogados trans usem seus nomes sociais em suas carteiras de advogadas e advogados, por intermédio da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero e de Combate à Homofobia e à Transfobia da OABSP. Ela sempre se define como travesti com muito orgulho e dignifica a Advocacia com sua atuação.
Quero desenvolver em minha fala o aspecto do inequívoco animus injuriandi objetivamente presente no artigo de Reinaldo Azevedo, pelo qual os demais apelantes responsem na qualidade de seus contratantes, nos termos do art. 932, III, do Código Civil. Como se sabe, Excelências, liberdade de expressão é tradicionalmente definida como estabelecendo um livre mercado de ideias, no qual diferentes teses podem se digladiar para que a sociedade fique bem informada e possa, cada indivíduo, montar a sua convicção. Ninguém contesta isso – aliás, a petição inicial diz expressamente que é pressuposto da presente ação que “não se está questionando o direito do primeiro-Réu em discordar da crítica da Autora nem se o está processando pelas críticas que fez”, mas porque ofendeu a honra e a dignidade dela. O que se aponta, desde a petição inicial, as contrarrazões de apelação e o memorial entregue a Vossas Excelências é que o artigo de Reinaldo Azevedo em diversas oportunidades ofende moralmente a autora-Apelada, Laerte Coutinho. Diversas injúrias são ali proferidas. O artigo já começa com o título “a última da BARANGA MORAL”. Só aí já teríamos dano moral. Mas ele vai além. Ele chamou a Autora de “baranga na vida”, “mulher horrenda”, “detestável”, “farsante”, “estúpido”, como tendo “delinquência intelectual”, “figura travestida de pensador”, “homem que se finge de mulher”, “fraude de gênero”, “fraude ideológica”, “fraude moral”, quase no fim do artigo a chamou novamente de “baranga moral”, falou em “exibicionismo certamente doentio” da Autora, acusou-a de “insaciável compulsão”, a chamou de “falsa senhora”, tratou a Autora no masculino, menosprezando sua identidade de gênero, chamando-a ainda de “homem-mulher”, “homem que se finge de mulher”… Ora, Excelências, QUE DEBATE DE IDEIAS EXISTE EM EXPRESSÕES COMO “BARANGA DA VIDA”, “BARANGA MORAL”, “FRAUDE MORAL” E TODAS AS DEMAIS MENCIONADAS??? Tudo isso configura puro e simples animus injuriandi caracterizador de dano moral indenizável. Se isso não for “dano moral”, nada será…
Lembrem-se, Excelências, que desde a clássica Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, pós-Revolução Francesa, a liberdade é o direito de se fazer o que se quiser, desde que não se prejudiquem terceiros. Esse é o conceito liberal clássico de liberdade, que funda o Direito Ocidental, desde pelo menos a Modernidade Jurídica. Logo, afigura-se contraditório interpretar-se a “liberdade de expressão” fora desse contexto geral da “liberdade”, donde injúrias puras e simples não são protegidas pelo suporte fático, o âmbito de proteção, da liberdade de expressão. Isso é pacífico na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, da Corte Interamericana de Direitos Humanos e da Corte Europeia de Direitos Humanos, que estabelecem que a liberdade de expressão não protege discursos de ódio, injúrias e incitações ao preconceito e à discriminação em geral. Lembre-se, ainda, que a Constituição garante tanto o direito à reparação de danos morais quanto o direito de resposta, o qual nem seria mais possível porque Renaldo Azevedo nem trabalha mais na Veja.
Assim, requer-se a manutenção da R. Sentença, inclusive quanto ao valor da condenação, cem mil reais, tanto pelo alcance da publicação (milhões de leitores da Veja) e aqui estamos no critério da extensão do dano (e gostemos ou não, a jurisprudência atribui um maior valor de danos morais para pessoas públicas em tais casos, justamente pela maior extensão do dano), quanto pelo réu-Azevedo ter simplesmente republicado a matéria declarada ilícita pelo Judiciário após sua condenação. Um verdadeiro escárnio à Justiça que deve ser punido, até porque mostra que o efeito preventivo que a R. Sentença visou com dito valor claramente não foi respeitado pelo réu. E ele não “debateu” a sentença, se a tivesse meramente criticado eu não estaria falando disso aqui, ele simplesmente a republicou, repetindo o ato ilícito. Lembre-se, por fim, que conforme dito na petição inicial, o valor da indenização será integralmente doado ao Movimento Mães pela Diversidade, mães de filhos(as) LGBTI que lutam contra sua discriminação – e que na verdade surgiu por mães que tiveram seus filhos assassinados por homofobia e transfobia. Então, a Autora não lucrará em nada com a presente ação, cabe destacar. Muito obrigado.