Pronto, distribuída hoje a denúncia contra “Sérgio K”, com base na Lei Estadual 10.948/01 (Lei Anti-Homofobia), pela inegável homofobia inerente à identificação depreciativa de duas pessoas famosas como homosexuais (“Cristiano Ronaldo is gay” e “Maradona Maricón”. Denúncia encampada pelo GADvS -Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual, pelo Identidade Campinas e pelas Comissões de Diversidade Sexual e Combate à Homofobia das OABs de Campinas e do Jabaquara/SP. No primeiro comentário disponibilizo a íntegra da denúncia. Agradeço profundamente os caríssimos Paulo Mariante, Tacilio Silva e Marcelo Gallego pelo apoio e por também encamparem essa luta pelas entidades que representam. Enfim, mais uma batalha na luta cotidiana contra a homofobia.
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EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA SECRETÁRIA DA JUSTIÇA E DA DEFESA DA CIDADANIA DO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO.
Representação
Lei Estadual n.º 10.948/01
O GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual, Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) inscrita no CNPJ sob o n.º 17.309.463/0001-32, que tem como finalidades institucionais a promoção dos direitos da população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) e o enfrentamento da homofobia e da transfobia, com sede na Rua da Abolição, n.º 167, Bela Vista, São Paulo/SP, neste ato representado segundo seus atos constitutivos, IDENTIDADE – GRUPO DE LUTA PELA DIVERSIDADE SEXUAL, pessoa jurídica de Direito Privado, com sede na Avenida Anchieta, 549, a. 73, Centro, Capinas/SP, CEP 13015-101, COMISSÃO DE DIVERSIDADE SEXUAL E COMBATE À HOMOFOBIA DA OAB/JABAQUARA, com sede na Rua Afonso Celso, n.º 1.200, Vila Mariana, São Paulo/SP, CEP 04119-061, e COMISSÃO DE DIVERSIDADE SEXUAL E COMBATE À HOMOFOBIA DA OAB/CAMPINAS, com sede na Avenida Dr. Moraes Sales, n.º 580, Centro, Campinas/SP, CEP 13010-000, (portarias de nomeação anexas), neste ato representadas por seus respectivos diretores-presidentes (docs. anexos), vêm, respeitosamente, à presença de Vossa Senhoria, com fulcro no artigo 4º, incisos II, da Lei Estadual n.º 10.948/01, apresentar REPRESENTAÇÃO em face de “SÉRGIO K” (nome fantasia), cujo nome empresarial é SLKS COMERCIO DE ARTIGOS DE MODA EIRELI, pessoa jurídica de Direito Privado, inscrita no CNPJ/MF sob o n.º 09.028.217/0001-84, com sede na Av. Brigadeiro Faria Lima, n.º 2.232, Piso 2º, Loja S-01, Bairro Jardim Paulista, São Paulo/SP, CEP 01.489-900 (cf. cartão de CNPJ do site www.receita.fazenda.gov.br)[1], em razão de homofobia por ele praticada, nos seguintes termos:
Destaque-se, inicialmente, a LEGITIMIDADE ATIVA das Organizações Não-Governamentais Denunciantes, na medida em que, por se tratarem de organizações de promoção dos direitos da população LGBT e de combate à homofobia (e à transfobia), evidentemente enquadram-se na hipótese prevista no artigo 4º, inciso II, da Lei Estadual n.º 10.948/01.
1. DOS FATOS. Homofobia praticada pela Denunciada ao imputar, pejorativamente, a homossexualidade a duas pessoas. Menosprezo à homossexualidade caracterizador de homofobia.
Como se tornou notório nas redes sociais e, inclusive, por matéria da Folha Online[2], a empresa Denunciada (“Sérgio K”), uma loja de roupas, em razão da Copa do Mundo de Futebol a se realizar em poucos meses, lançou camisetas identificando o jogador Cristiano Ronaldo como “gay” e o ex-jogador Maradona como “maricon”, termo espanhol pejorativo para designar “bichas”. Eis o teor das camisetas: “Cristiano Ronaldo is gay” (Cristiano Ronaldo é gay” e “Maradona Maricon” (Maradona Bicha).
Ora, Ilustres Secretária da Justiça e Comissão Processante, a Denunciada utilizou a homossexualidade como uma ofensa aos citados jogador e ex-jogador, para que possam os mesmos e os torcedores argentinos e portugueses possam ser vítimas de chacotas homofóbicas por parte de torcedores que vierem ao Brasil para a Copa do Mundo de Futebol, inequivocamente utilizando a homossexualidade como uma ofensa a eles, como se fosse negativo ser homossexual ou como se a homossexualidade fosse motivo de chacota/escárnio.
Nem se diga que este seria um caso cujas únicas vítimas seriam Cristiano Ronaldo e Diego Maradona. De maneira nenhuma. Toda a comunidade homossexual foi menosprezada por essa campanha, na medida em que a Denunciada reforçou o estigma contrário à homossexualidade, como se ela fosse motivo de chacota/escárnio. Ora, o que se espera quando se aponta alguém como homossexual da forma como fez a Denunciada? Inequivocamente não foi a campanha utilizada como um “elogio” aos citados jogador e ex-jogador. Quis a Denunciada se aproveitar do estigma negativo contra a homossexualidade para obter lucros se aproveitando a homofobia lamentavelmente difundida notoriamente em nossa sociedade, com o claríssimo desejo, objetivamente aferível, de ver pessoas comprando tais camisetas para que pudessem menosprezar, mediante chacota/escánio, o referido jogador e ex-jogador.
Irrelevante o dono da Denunciada, Sr. Sérgio K, afirmar que não é homofóbico e que tem funcionários homossexuais. Ora, sua campanha tem um inequívoco teor homofóbico, por menosprezar a homossexualidade relativamente à heterossexualidade. Tenha ele percebido isso ou não (e é indefensável ele dizer que não, no mínimo pelo padrão do princípio da boa-fé objetiva, consagrador do critério da pessoa mediana e da razoabilidade nas relações jurídicas em geral), fato é que sua campanha acabou por reforçar a homofobia socialmente vigente em nossa sociedade e, como tal, deve ser a Denunciada punida por isso, nos termos da Lei Estadual n.º 10.948/01. Sem falar no tom desrespeitoso dele em suas respostas a críticas em rede social (twitter), mostrando não se importar com a homofobia perpetrada por sua campanha, e, inclusive, menosprezando, com o termo “sapatinha”, uma lésbica que o criticou – falar “se manca, sapatinha” (SIC) é ofensivo, ora, por que a adjetivação no contexto de uma crítica? Alguém falaria “se manca, heterozinho”?! Claro que não, daí ficando evidente o tom homofóbico do mesmo de tal fala… (docs. anexos). Ademais, analisemos as falas de Sérgio K. à citada matéria da Folha Online:
“A coleção tem a veia da irreverência da marca. Foi feita para quem quer torcer para o Brasil, mas não quer usar a camisa da seleção. É uma resposta a tudo que o Maradona já disse ao Brasil, ao Pelé. Não é homofóbica [SIC]”, disse. “Para mim, homofobia é outra história: não contratar gays, agredi-los. As camisetas não incitam a violência”. […] “Uma pessoa esclarecida vai entender. Sou super ‘open minded’ (cabeça aberta). Os melhores vendedores da minha loja são gays. Quem me conhece sabe que não sou homofóbico”, reforça Sergio K. O estilista ainda lembra que sua marca já contratou a transexual Amanda Lepore para uma campanha e que, atualmente, tem o transexual polonês Oliver Mastalerz como garoto-propaganda” (grifo nosso).
Ilustres Secretária e Comissão Processante, temos aqui verdadeira confissão do uso das camisetas como forma de se tentar ofender Maradona (e, consequentemente, Cristiano Ronaldo). Ora, considerando que as falas de Maradona sobre o Brasil e Pelé são, em geral, em tom de menosprezo e escárnio e tendo o dono da Denunciada afirmado que se a alusão a Maradona como bicha (“maricón”) “É uma resposta a tudo que o Maradona já disse ao Brasil, ao Pelé” (SIC), fica mais do que evidente que a imputação de homossexualidade a ele (e a Cristiano Ronaldo) foi feito para que ele(s) seja(m) menosprezado(s) por isso… é simplesmente indefensável qualquer afirmação em sentido contrário e o próprio Sr. Sérgio K. não negou isto, deixando, ao contrário, evidente ser este o intuito (menosprezo ao jogador e ex-jogador com tais camisetas). Negar que isso seja homofobia decorre de puro e simples simplismo acrítico que quer fazer crer que homofobia seria apenas e tão-somente a violência e a discriminação contra pessoas homossexuais concretas, quando, em verdade, homofobia é todo e qualquer menosprezo à homossexualidade e todo e qualquer preconceito contra homossexuais (e bissexuais). No próximo tópico trazemos conceitos doutrinários de homofobia para isto corroborar.
Sem falar que uso da homossexualidade pela Denunciada como ofensiva aos jogadores de futebol traz ainda outro agravante, pois prejudica que jogadores gays se assumam como tais, fazendo com que se perpetue uma perversa prática de desumanização que obriga esses profissionais a continuarem no armário, tendo que viver escondidos para conseguirem seguir suas carreiras…
Não deixa de ser paradigmático isso ocorrer logo após homofobia absolutamente similar perpetrada pela torcida do Corinthians contra os goleiros de São Paulo e Penapolense na antepenúltima e penúltima rodadas da fase de classificação do Campeonato Paulista de Futebol de 2014.
Assim, como o paralelo é inevitável, já que em ambos os casos a homossexualidade foi utilizada como forma de menosprezo às pessoas a quem ela foi imputada (e isso não obstante decisão do Presidente do Tribunal de Justiça Desportiva de São Paulo, que absurdamente não viu homofobia contra o goleiro do São Paulo, decisão esta impugnada pelo GADvS por recurso ainda não julgado), vejamos as precisas palavras de Leonardo Sakamoto[3], renomado blogueiro do UOL, em sua coluna de 06.04.2014:
“É claro que as torcidas organizadas (sic) de futebol quando entoam coros chamando determinados jogadores de ‘bicha’, que é um termo depreciativo, têm o intuito de transformar uma orientação sexual em xingamento. Reforçam, dessa forma, que ser ‘bicha’ é ser ruim, ser frouxo, medroso, incapaz e tantos outros elementos acrescidos ao significado falsamente aos gays ao longo do tempo. Nesse caso, o uso da expressão não está atacando apenas o jogador (independentemente da orientação sexual do esportista), mas toda a coletividade, pois reforça preconceitos e questiona a dignidade de determinado grupo. Fazendo um paralelo simples: um estádio inteiro gritando que um jogador negro é ‘negro’’ não é simples observação da realidade, mas quer passar um recado cuja intenção não é das melhores. Assume uma conotação diferente do significa original da palavra, com um significado bem distante de gritar que um jogador branco é ‘branco’. Pois sabemos bem que a sociedade dá pesos diferentes a negros e brancos e que o racismo ainda grassa por aqui. Nesse sentido, ataques coletivos deveriam ser analisados com rigor pela Justiça, aplicando punições didáticas para o clube da torcida em questão” (grifos nossos).
No mesmo sentido, é inequívoco que a Denunciada teve o intuito de menosprezar Maradona e Cristiano Ronaldo mediante a imputação de homossexualidade a eles. Desafia a inteligência de pessoa mediana minimamente esclarecida sobre o conceito de homofobia qualquer consideração em sentido contrário.
Nem se diga que o fato de Cristiano Ronaldo e Maradona não serem homossexuais afastaria a homofobia, já que a homossexualidade foi usada como forma de menosprezá-los e esse intuito de menosprezo por imputação de homossexualidade é o que caracteriza a homofobia no caso concreto.
Não obstante o dito no parágrafo anterior, lembremos de dois absurdos casos relativamente recentes de violência homofóbica para ajudar na argumentação. Em 2011, estavam um pai e um filho abraçados na cidade de São João da Boa Vista/SP quando, de repente, passaram a ser ofendidos e posteriormente agredidos por um grupo de homens porque foram confundidos com um casal homoafetivo, sendo que o pai perdeu parte da orelha em decorrência das agressões…[4] No mesmo sentido, agora em 2012, dois irmãos gêmeos, saindo de uma casa noturna de Salvador/BA, estavam igualmente abraçados e, também por terem sido confundidos com um casal homoafetivo, foram espancados, com um deles vindo a lamentavelmente falecer…[5] Ora, da mesma forma que neste caso, houve homofobia caracterizada, na medida e que as agressões e ofensas se deram por se imputar homossexualidade a tais irmãos e a tais pai e filho, da mesma forma que a homofobia aqui consiste em se imputar a outrem (Maradona e Cristiano Ronaldo) a homossexualidade com o intuito de ofendê-los mediante imputação de homossexualidade a eles… sendo que seria um profundo desafio à inteligência da pessoa mediana dizer que não teria havido animus de ofender tais jogador e ex-jogador, já que a homossexualidade só foi a eles imputada em razão dela ser considerada como algo “negativo” ou “passível de menosprezo” para, somente por isso, ser imputada a eles. Portanto, homofobia mais do que caracterizada, no sentido de menosprezo à homossexualidade e a homossexuais em geral, o que deve ser coibido por esta Secretaria de Justiça, por intermédio de sua Comissão Processante, ante a vedação constitucional de preconceitos de quaisquer espécies (art. 3º, inc. IV, da CF/88) e pela vedação a toda e qualquer forma de homofobia inerente à teleologia sistêmica da Lei Estadual n.º 10.948/01, como adiante se demonstra.
Nem se argumente que o caso dos gêmeos e do pai e filho supra seriam “diferentes” pelas agressões, pois esse não é o ponto. É evidente que em ambos os casos temos configurado o crime de lesão corporal pelo fato das agressões isoladamente consideradas, mas os casos são equivalentes porque, da mesma forma que houve tais agressões unicamente em razão de tais gêmeos e pai e filho terem tido a si imputada a homossexualidade, também neste caso as (tentativas de) ofensas se deram unicamente em razão de terem tido referidos jogador e ex-jogador a si imputada a homossexualidade. Na linguagem da doutrina dos precedentes, seria uma distinção inconsistente (absolutamente inconsistente) a que se pautasse unicamente por termos tido violência nos primeiros e “apenas” ofensas no segundo; claro que as penas teriam que ser diferentes, mas em todos os casos houve homofobia, em razão dela evidentemente/incontestavelmente ter sido o que motivou tais crimes…
Também irrelevante qualquer tentativa de enquadrar o caso como deboche público, zombaria, piada politicamente incorreta em coro ou algo do gênero. Ora, tratando-se de menosprezo à homossexualidade em geral, claramente o discurso é homofóbico e a homofobia está caracterizada. Da mesma forma que não há “direito” a deboches negrofóbicos, não há “direito” a deboches homofóbicos, ambos sendo ilícitos e inconstitucionais (até porque homofobia é espécie do gênero racismo, considerando que o Supremo Tribunal Federal afirmou que racismo é toda ideologia que pregue a inferioridade de um grupo relativamente a outro no julgamento do HC 82.424/RS, no que foi referendado pela doutrina de Guilherme de Souza Nucci, adiante se demonstra). Utilizaremos aqui uma comparação analógica para explicar nosso entendimento: imagine-se que um jogador comumente chamado de mulato (“moreno” etc), de cor de pele que não é nem totalmente branca nem totalmente negra, mas que não se identificasse como negro, fosse a vítima das camisetas feitas pela Denunciada e imagine-se que a camiseta tivesse em si escrito algo como “Cristiano Ronaldo/Maradona é macaco”… É evidente que tratar-se-iam de manifestações tipicamente racistas, independentemente da pessoa em questão se considerar como “negra” ou não…
Analisemos outro caso envolvendo racismo. Em 2010, Neymar afirmou em entrevista que nunca tinha sofrido racismo, “até porque não sou preto, né?”[6] (SIC), ou seja, Neymar não se considera negro, contudo, isso não o impediu de ser vítima de racismo na Bolívia, pela Copa Libertadores[7], nem recentemente na Espanha, quando ele e Daniel Alves tiveram contra si atiradas bananas, na notória alusão pejorativa racista entre negros e maçados… Novamente, é evidente o racismo porque Neymar teve a si imputada a negritude pelos torcedores racistas em questão, que atiraram tais bananas por motivações racistas. É o mesmo caso daqui, na qual a imputação de homossexualidade a Cristiano Ronaldo e Maradona teve o intuito de gerar ofensas/chatotas/escárnios contra eles, sejam eles ou não homossexuais, considerem-se ou não homossexuais, sendo que, reitere-se à exaustão, a homofobia deste caso está no menosprezo à homossexualidade inerente a tais manifestações contra tais pessoas, por claramente ter sido usada a homossexualidade como uma ofensa contra eles e com o intuito de lucro, já que a Denunciada inequivocamente visou aumentar suas vendas com tal postura…
Logo, embora a autoidentificação (ao menos jurídicos) seja absolutamente relevante na generalidade dos casos sobre temas de minorias e grupos vulneráveis, uma pessoa não é só ofendida/discriminada pela forma como ela se identifica, ela é muitas vezes ofendida/discriminada em razão da forma como a sociedade a percebe e por aquilo que a sociedade a ela imputa, seja esta imputação verdadeira ou não. Logo, considerando que é indefensável dizer que com a imputação de homossexualidade a Cristiano Ronaldo e a Maradona a Denunciada quis ofendê-los mediante tal imputação de homossexualidade (o que incontestavelmente se dá por um menosprezo à homossexualidade inerente a uma tal manifestação, pois do contrário não se tentaria ofendê-lo dessa forma), tivemos aqui efetivamente praticada homofobia pela Denunciada, a demandar uma atitude desta Ilustre Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, por intermédio de sua Comissão Processante, para reprimir tal conduta.
2. Concretização e incidência da Lei Estadual n.º 10.948/01 no caso concreto.
Inicialmente, cabe lembrar que, entendida em sentido amplo, “Do ponto de vista jurídico, discriminação é qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência que tenha o propósito ou o efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de igualdade de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos econômico, social, cultural ou em qualquer campo da vida pública”, sendo que o princípio da igualdade “impõe a proibição de tratamentos que, de modo intencional ou não, perpetuem discriminação e desigualdade (mandamento de antissubordinação)”, donde discriminação indireta é a “discriminação [que] é fruto de medidas, decisões e práticas aparentemente neutras, desprovidas de justificação e de vontade de discriminar, cujos resultados, no entanto, têm impacto diferenciado perante diversos indivíduos e grupos, gerando e fomentando preconceitos e estereótipos inadmissíveis”[8] (g.n).
Nesse sentido, inequivocamente discriminatória contra homossexuais em geral a conduta da Denunciada, na medida em que esta imputou homossexualidade a terceiros como forma de criar constrangimentos e chacotas contra estes, usando a homossexualidade como uma espécie de humilhação contra eles. Admita isso ou não o proprietário/preposto da Denunciada (Sr. Sérgio K), é inegável a discriminação em questão.
Enquadra-se a conduta da Denunciada no art. 2º, inc. I, da Lei Estadual 10.948/01, a qual pune toda ação constrangedora e vexatória perpetrada com base na orientação sexual da pessoa. Ora, a Denunciada visou constranger e causar vexame a duas pessoas mediante imputação de homossexualidade a elas. Evidente que, no mínimo por interpretação lógica, teleológica e extensiva, que o caso se enquadra em dito dispositivo legal. Afinal, por interpretação lógica, se é punida a homofobia praticada contra determinado indivíduo, então evidentemente o é também a homofobia praticada contra a coletividade LGBT e/ou mediante menosprezo à homossexualidade relativamente à heterossexualidade. Por interpretação teleológica, percebe-se que a lei visou punir toda e qualquer forma de discriminação por orientação sexual e por identidade de gênero, logo, toda e qualquer forma de manifestação da homofobia, sendo absurdamente anacrônico qualquer entendimento em sentido contrário. Por interpretação extensiva caso se entenda que o dispositivo legal teria sido imaginado para atos praticados contra indivíduos, na medida que o mesmo valor que o justifica demanda pela punição de atos mais graves – ora, se o menos é punido, o mais também deve ser; se situações idênticas demandam interpretação extensiva (e equivalentes a analogia), então uma situação mais grave que a prevista merece, no mínimo, a mesma (ou equivalente) punição.
Ademais, nos termos do art. 1º da Lei Estadual n.º 10.948/01, será punida toda manifestação atentatória ou discriminatória contra cidadãos LGBT, donde manifestações ofensivas a homossexuais como um todo e à homossexualidade em geral, de forma ampla e genérica, evidentemente se encontra incluída no rol de atos ilícitos da referida legislação. Afinal, não faria sentido a lei punir apenas ofensas individualizadas e não punir ofensas generalizadas contra LGBTs em geral. Até porque o art. 2º da referida lei traz expressa proteção aos direitos coletivos da população LGBT, ao passo que o art. 3º da mesma aponta que são passíveis de punição todas as pessoas, físicas ou jurídicas, que intentarem contra o que dispõe esta lei. Logo, a interpretação sistemática de ditos dispositivos legais deixa ainda mais claro que manifestações preconceituosas e/ou ofensivas contra a coletividade LGBT, como as perpetradas pelo Representado no presente caso, são ilícitas e, portanto, passíveis de punição nos termos da referida lei. Logo, a interpretação sistemático-teleológica da lei demanda pelo reconhecimento da ilicitude à luz da Lei Estadual n.º 10.948/01 do menosprezo à homossexualidade inerente à conduta da Denunciada neste caso concreto.
Outrossim, ainda que assim (equivocadamente) não se entendesse, deve-se entender que o rol de atos ilícitos do art. 2º evidentemente não é taxativo (numerus clausus), mas meramente exemplificativo (numerus abertus), visto que a redação do referido dispositivo legal não afirma que “apenas/somente/unicamente” as hipóteses ali descritas configurariam atos ilícitos para os fins da Lei Estadual n.º 10.948/01. Com efeito, a afirmação de que “Consideram-se atos atentatórios e discriminatórios dos direitos individuais e coletivos dos cidadãos homossexuais, bissexuais ou transgêneros, para os efeitos desta lei”, é algo distinto de dizer que consideram-se atos atentatórios e discriminatórios “apenas/somente/unicamente” os descritos nos incisos da Lei. Nesse sentido, cabe lembrar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que só há impossibilidade jurídica do pedido quando a lei expressamente proíbe determinado pedido ou expressamente restringe sua incidência a determinadas situações[9], donde a ausência deste “apenas/somente/unicamente” na redação do caput do art. 2º da referida lei torna o rol de atos ilícitos descrito nos incisos respectivos meramente exemplificativo, um mero parâmetro de atos que, indiscutivelmente, são considerados ilícitos pela lei, sem que se exclua a possibilidade de que outras também o sejam. Ou seja, a ausência desta limitação semântica no caput do citado dispositivo legal torna juridicamente possível o pedido de condenação do Denunciado às penas da Lei Estadual n.º 10.948/01 se constatada pela Nobre Comissão Processante a prática de ato(s) de discriminação por orientação sexual ou por identidade de gênero, como ocorrido no presente caso consoante as razões supra, ainda que eventualmente tal ato atentatório ou discriminatório esteja fora do rol do art. 2º.
Nesse sentido, a conduta discriminatória perpetrada pela Denunciada são ilícitos não só por serem constrangedores a pessoas homossexuais, mas por incitarem ao preconceito e à discriminação contra homossexuais em geral ante o flagrante descabimento de referidas falas, algo flagrantemente inconstitucional por afronta aos direitos fundamentais à honra e ao respeito à dignidade das cidadãs e dos cidadãos homossexuais. Com efeito, todos têm o direito ao igual respeito e consideração, oriundo do princípio da igualdade, pelo simples fato de serem pessoas humanas, não podendo haver menosprezos, ofensas e discriminações por meras características das pessoas em questão – razão pela qual a conduta discriminatória/indignificante da Denunciada contra a homossexualidade (e, portanto, contra homossexuais em geral) fere o a dignidade humana da coletividade homossexual no caso concreto, por claramente considerar a homossexualidade como supostamente menos digna do que a heterossexualidade.
Logo, amplamente caracterizada a violação da Lei Estadual n.º 10.948/01 (art. 2º, inc. I, e arts. 1º a 3º, em interpretação lógica, sistemática e teleológica) neste caso concreto, razão pela qual deverá ser acolhida a presente denúncia para que seja aplicada a pena de multa de 1.000 UFESPs à Denunciada, o que desde já se requer.
2.1. Conceito doutrinário de homofobia e sua caracterização no caso concreto.
Segundo Marco Aurélio Máximo Prado e Rogério Diniz Junqueira[10]:
“O termo homofobia tem sido comumente empregado em referência a um conjunto de emoções negativas (aversão, desprezo, ódio, desconfiança, desconforto ou medo) em relação aos ‘homossexuais’. No entanto, entende-lo assim implica limitar a compreensão do fenômeno e pensar o seu enfrentamento somente com base em medidas voltadas a minimizar os efeitos de sentimentos e atitudes de ‘indivíduos’ ou de ‘grupos homofóbicos’. As instituições sociais pouco ou nada teriam algo a ver com isso. […] Assim, além de empregado em referência a um conjunto de atitudes negativas em relação a homossexuais, o termo, pouco a pouco, também passou a ser usado em alusão a situações de preconceitos, discriminação e violência contra a comunidade LGBT. Passou-se da esfera estritamente individual e psicológica para uma dimensão mais social e potencialmente mais politizadora. Mais recentemente, verifica-se a circulação de uma compreensão da homofobia como dispositivo de vigilância das fronteiras de gênero que atinge todas as pessoas, independentemente de suas orientações sexuais, ainda que em distintos graus e modalidades. […] As normas de gênero costumam aparecer numa versão nua e crua da pedagogia do insulto e da desumanização. Estudantes, professores/as, funcionários/as identificados como ‘não heterossexuais’ costumam ser degradados à condição de ‘menos humanos’, merecedores da fúria homofóbica cotidiana de seus pares e superiores, que agem na certeza da impunidade, em nome do esforço corretivo e normalizador”.
[OBS: vê-se, assim, que a homofobia e a transfobia têm sua origem no machismo heterossexista pautado no binarismo de gêneros[11], no sentido de que há profundo menosprezo e discriminação ao homem que não se adequa ao que a sociedade espera em termos de masculinidade e à mulher que não se adequa ao que a sociedade espera em termos de feminilidade, que são conceitos puramente culturais (masculinidade e feminilidade)].
Explicitando o conceito, afirma Daniel Borrillo[12] que “A homofobia é um preconceito e uma ignorância que consiste em crer na supremacia da heterossexualidade”. Segundo o autor[13]:
“A homofobia é a atitude de hostilidade contra as/os homossexuais; portanto, homens ou mulheres. […] Do mesmo modo que a xenofobia ou o antissemitismo, a homofobia é uma manifestação arbitrária que consiste em designar o outro como contrário, inferior ou anormal; por sua diferença irredutível, ele é posicionado à distância, fora do universo comum dos humanos. […] Confinado no papel de marginal ou excêntrico, o homossexual é apontado pela norma social como bizarro ou extravagante. […] À semelhança do negro, do judeu ou de qualquer estrangeiro, o homossexual é sempre o outro, o diferente, aquele com quem é impensável qualquer identificação.
[…] No âmago desse tratamento discriminatório, a homofobia desempenha um papel importante na medida em que ela é uma forma de inferiorização, consequência direta da hierarquização das sexualidades, além de conferir um status superior à heterossexualidade, situando-a no plano do natural, do que é evidente. […] A diferença homo/hétero não é só constatada, mas serve, sobretudo, para ordenar um regime das sexualidades em que os comportamentos heterossexuais são os únicos que merecem a qualificação de modelo social e de referência para qualquer outra sexualidade. Assim, nessa ordem sexual, o sexo biológico (macho/fêmea) determina um desejo sexual unívoco (hétero), assim como um comportamento social específico (masculino/feminino). Sexismo e homofobia aparecem, portanto, como componentes necessários do regime binário das sexualidades[14]. […] A homofobia torna-se, assim, a guardiã das fronteiras tanto sexuais (hétero/homo), quanto de gênero (masculino/feminino). Eis porque os homossexuais deixaram de ser as únicas vítimas da violência homofóbica, que acaba visando, igualmente, todos aqueles eu não aderem à ordem clássica dos gêneros: travestis, transexuais, bissexuais, mulheres heterossexuais dotadas de forte personalidade, homens heterossexuais delicados ou que manifestam grande sensibilidade… […] A heterossexualidade aparece, assim, como o padrão para avaliar todas as outras sexualidades. Essa qualidade normativa – e o ideal que ela encarna – é constitutiva de uma forma específica de dominação, chamada HETEROSSEXISMO, que se define como a crença na existência de uma hierarquia das sexualidades, em que a heterossexualidade ocupa a posição superior. Todas as outras formas de sexualidade são consideradas, na melhor das hipóteses, incompletas, acidentais e perversas; e, na pior, patológicas, criminosas, imorais e destruidoras da civilização.
[…] Ora, se existem reações virulentas contra os gays e as lésbicas, a homofobia cotidiana assume, sobretudo, a forma de uma violência do tipo simbólico (Bourdieu, 1998) […] atitudes cognitivas de cunho negativo para com a homossexualidade nos planos social, moral, jurídico e/ou antropológico. O termo ‘homofobia’ designa, assim, dois aspectos diferentes da mesma realidade: a dimensão pessoal, de natureza afetiva, que se manifesta pela rejeição dos homossexuais; e a dimensão cultural, de natureza cognitiva, em que o objeto da rejeição não é o homossexual enquanto indivíduo, mas a homossexualidade como fenômeno psicológico e social. […] Ora, o heterossexismo diferencialista é, também, uma forma de homofobia – certamente mais sutil, mas não enos eficaz –, porque, ao rejeitar a discriminação de homossexuais, tem como corolário uma forma eufemística de segregacionismo. Em nome da diferença, a derrogação parcial do princípio de igualdade e a criação de um regime de exceção para gays e lésbicas foram propostas, na França, tanto por personalidades políticas quanto por intelectuais considerados, até então, progressistas (Borrillo; Fassin; Iacub, 1999)”.
Em suma, tem-se que homofobia é o preconceito e/ou a discriminação contra homossexuais e bissexuais, ao passo que transfobia é o preconceito e/ou a discriminação contra travestis, transexuais e transgêneros em geral. Com efeito, segundo Roger Raupp Rios[15],heterossexismo é “um sistema onde a heterossexualidade é institucionalizada como norma social, política, econômica e jurídica, não importa se de modo explícito ou implícito”, sendo “homofobia é a modalidade de preconceito e de discriminação direcionada contra homossexuais”.
Logo, fica evidente que “a homofobia se aproxima (e se articula a) outras formas de discriminação como a xenofobia, o racismo e o antissemistismo, pois consiste em considerar o outro (no caso, homossexuais e transgêneros) como desigual, inferior, anormal”[16], sendo que “a homofobia, em qualquer circunstância, é um fator de sofrimento e injustiça, ameaça constante de subalternização”[17], donde devem ser reconhecidas a homofobia e a transfobia como espécies do gênero racismo. É, inclusive, o que reconheceu a ONU, que deixou registrado em uma mensagem em vídeo, veiculado no último dia 17 de maio, data do Dia Internacional contra a Homofobia e a Transfobia, por meio da Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos (Navi Pillay)[18].
Não se esqueça, por fim, que a homofobia não deixa de ser, ontologicamente, espécie do gênero racismo, segundo o conceito jurídico-constitucional atribuído ao termo pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC n.º 82.424/RS, o qual, além de afirmar que a liberdade de expressão não garante um pseudo “direito” a manifestações racistas [em sentido estrito] nem a ofensas ou a atos ilícitos em geral, enunciou que o “racismo, longe de basear-se no conceito simplista de raça, reflete, na verdade, reprovável comportamento que decorre da convicção de que há hierarquia entre os grupos humanos, suficiente para justificar atos de segregação, inferiorização, e até de eliminação de pessoas. Sua relação com o termo raça, até pela etimologia, tem a perspectiva da raça enquanto manifestação social, tanto mais que agora, como visto, em virtude de conquistas científicas acerca do genoma humano, a subdivisão racial da espécie humana não encontra qualquer sustentação antropológica, tendo origem em teorias racistas que se desenvolveram ao longo da história, hoje condenadas pela legislação criminal”[19]. É o mesmo pensamento de Guilherme de Souza Nucci[20], para quem “Racismo: é o pensamento voltado à existência de divisão dentre seres humanos, constituindo alguns seres superiores, por qualquer pretensa virtude ou qualidade, aleatoriamente eleita, a outros, cultivando-se um objetivo segregacionista, apartando-se a sociedade em camadas e estratos, merecedores de vivência distinta”, donde “o racismo, como acabamos de expor, é, basicamente, uma mentalidade segregacionista” (donde a homofobia também se enquadra no conceito de racismo, como reconhecido pelo citado autor na obra citada).
Pois bem.
No presente caso, a conduta da Denunciada evidentemente se enquadra no conceito doutrinário de homofobia, além também de se enquadrar no conceito legal explicitado na Lei Estadual n.º 10.948/01, este último consoante demonstrado no tópico anterior. Afinal, sua conduta implicou menosprezo à homossexualidade e, consequentemente, a homossexuais em geral, caracterizando, assim, o preconceito (juízo de valor dezarrazoado/irracional, a saber, sem fundamentação lógico-racional que lhe justifique – pois absolutamente nada tem como legitimar o menosprezo da homossexualidade relativamente à heterossexualidade). Logo, inequivocamente homofóbica a conduta da Denunciada, que deverá, portanto, ser punida nos termos da Lei Estadual 10.948/01, com a pena de multa de 1.000 UFESPs, o que desde já se requer.
3. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE MULTA.
Sobre o tema da penalidade, cabe destacar que não cabe a aplicação da multa apenas em casos de reincidência – o inciso III do art. 6º da Lei Estadual n.º 10.948/01 afirmou que a multa de três mil UFESPs será devida em caso de reincidência, mas o inciso II, que fala na multa de mil UFESPs, não faz essa ressalva, logo, é plenamente possível a aplicação direta da multa de mil UFESPs no presente caso. Nem se diga que haveria suposta “obrigatoriedade” de se seguir estritamente o rol de punições do art. 6º para primeiro ser aplicada uma advertência e só depois uma multa. Com efeito, lembre-se que a gradação legal constitui um parâmetro, mas não um critério absoluto, donde não há obrigação de se aplicar primeiro a advertência para aplicar a multa somente em caso de reincidência – aliás, quando a lei quis estabelecer a exigência de reincidência, ela o fez expressamente ao enunciar que a multa de três mil UFESPs só seria cabível em caso de reincidência (art. 6º, inc. III), exigência esta que inexiste para a multa de mil UFESPs.
Nesse sentido, invocando raciocínio analógico com a questão da ordem dos bens penhoráveis do Código de Processo Civil, da mesma forma que a gradação legal dos bens passíveis de penhora não constitui um parâmetro absoluto, podendo o juiz deixar de se ater à ordem legal de acordo com as peculiaridades do caso concreto[21], o mesmo raciocínio justifica a aplicação de multa a uma pessoa condenada pela primeira vez por homofobia em processo desta Comissão Processante Especial.
Portanto, deverá ser perquirida tanto a capacidade econômica da Denunciada, para aferição do cabimento da causa de aumento do valor da multa (art. 6º, §2º), quanto se ela já teve outros processos perante esta Comissão Processante, mas, independente disso, entende-se aqui que os fatos supra narrados têm a gravidade necessária para aplicação direta da multa – e, por se tratar de loja renomada cujos preços são acima da média (“loja de grife”), evidente que é necessária a aplicação neste caso concreto.
Assim, a punição a ser aplicada a pessoa que pratique ato atentatório ou discriminatório punível pela Lei Estadual n.º 10.948/01 deve ser fixada de acordo com a gravidade da conduta, a postura do ofensor quando solicitado que cesse a prática discriminatória e sua condição econômica.
Dessa forma, considerando que a Denunciada menosprezou a homossexualidade como um todo e (consequentemente) homossexuais em geral com a finalidade de lucro, para poder vender suas camisetas às custas do preconceito homofóbico, tem-se que uma mera advertência seria uma penalidade muito branda que não teria em si o indispensável efeito pedagógico-punitivo inerente às punições decorrentes de violações de normas jurídicas, que devem ter a si reconhecido um mínimo de aptidão a coagir os destinatários da norma a não a violarem, aptidão de coagir inexistente em uma punição tão branda como a de multa no presente caso (isso inclusive pelo notório porte econômico avantajado do Denunciado, que não se abalaria por uma mera advertência), razão pela qual deverá ser acolhida a denúncia e aplicada a pena de multa de 1.000 UFESPs, o que desde já se requer.
3. DOS PEDIDOS.
Ante o exposto, requer-se o regular recebimento, processamento, conhecimento e integral acolhimento da presente representação para que, após a citação da Denunciada para que, caso queira, responda aos termos da presente demanda, seja ela condenada na pena de MULTA DE 1.000 (UM MIL) UFESPs, pela gravidade da conduta homofóbica no caso concreto e pelo lucro que inegavelmente teve a Denunciada com a venda de tais camisetas, como medida da mais lídima JUSTIÇA!
Por fim, requer-se que todas as intimações relativas ao presente feito sejam efetivadas em nome de Paulo Roberto Iotti Vecchiatti (OAB/SP 242.668), o qual se compromete a informar imediatamente aos demais patronos signatários tão logo as receba (Alameda Campinas, n.º 433, São Paulo/SP, CEP 01404-901).
Termos em que,
Pede e Espera Deferimento.
São Paulo, 12 de abril de 2014.
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GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual
pp. Paulo Roberto Iotti Vecchiatti (Diretor-Presidente)
OAB/SP 242.668
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IDENTIDADE – GRUPO DE LUTA PELA DIVERSIDADE SEXUAL
pp. Paulo Tavares Mariante
OAB/SP 89.915
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COMISSÃO DE DIVERSIDADE SEXUAL E COMBATE À HOMOFOBIA DA OAB/CAMPINAS
pp. Tacilio Alves da Silva (Presidente)
OAB/SP n.º 290.688
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COMISSÃO DE DIVERSIDADE SEXUAL E COMBATE À HOMOFOBIA DA OAB/JABAQUARA-SP
pp. Marcelo Martins Ximenez Gallego (Diretor)
OAB/SP n.º 191.499
[1]Cf. https://loja.sergiok.com.br (acesso em 08.04.14).
[2]Cf. http://f5.folha.uol.com.br/celebridades/2014/04/1437085-grife-chama-cristiano-ronaldo-de-gay-e-maradona-de-maricon-em-camisetas-e-e-acusada-de-homofobia.shtml (acesso em 08.04.14).
[3] Cf. http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2014/04/06/por-que-dizer-que-alguem-e-gay-ou-lesbica-e-encarado-como-xingamento/ (acesso em 06.04.14).
[4] Cf. http://www.estadao.com.br/noticias/geral,pai-abraca-filho-e-e-agredido-por-homofobicos-em-sp,746840,0.htm (ultimo acesso em 06.04.14).
[5] Cf. http://noticias.r7.com/cidades/noticias/sobrevivente-de-suposto-ataque-homofobico-fala-sobre-irmao-gemeo-assassinado-20120708.html (último acesso em 06.04.14).
[6] Cf. http://olharbeheca.blogspot.com.br/2010/04/neymar-e-o-racismo.html (último acesso em 06.04.14).
[7] Cf. http://esportes.r7.com/blogs/cosme-rimoli/bolivianos-jogarem-banana-em-neymar-para-compara-lo-a-um-macaco-pode-ele-se-fantasiar-de-gorila-nao-pode-e-racismo-esse-e-o-brasil-09052012/ (ultimo acesso em 06.04.14).
[8] TRF/4, Apelação Cível n.º 2005.70.00.010977-0/PR, Terceira Turma, Relator para acórdão: Juiz Federal Roger Raupp Rios, DJe de 22/07/2009. Grifos nossos (as duas primeiras transcrições são da ementa, ao passo que a terceira é do inteiro teor do acórdão).
[9] Cf., v.g., STJ, REsp n.º 827.962/RS, DJe de 08/08/11; MS n.º 14.050/DF, DJe de 21/05/2010; REsp n.º 782.601/RS, DJe de 15/12/2009; AR n.º 3.387/RS, DJe de 01/03/2010; MS n.º 13.17/DF, DJe de 29/06/2009; AgRg no REsp n.º 853.234/RJ, DJe de 19/12/2008; REsp n.º 820.475/RJ, DJe de 06/10/2008; AgRg no REsp n.º 863.073/RS, DJe de 24/03/2008; REsp n.º 797.387/MG, DJ de 16/08/2007, p. 289; MS n.º 11.513/DF, DJ de 07/05/2007, p. 274; RMS n.º 13.684/DF, DJ de 25/02/2002, p. 406; REsp n.º 220.983/SP, DJ de 25/09/2000, p. 72.
[10] PRADO, Marco Aurélio Máximo e JUNQUEIRA, Rogério Diniz. Homofobia, hierarquização e humilhação social. In: VENTURI, Gustavo e BOKANY, Vilma. Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil, 1ª Ed., São Paulo: Ed. Perseu Abramo, 2011, pp. 57 e 60. G.n.
[11] A essa conclusão se chega quando se analisa o tratamento histórico a pessoas LGBT, consoante demonstrado pelo signatário em seu VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade. Da Possibilidade Jurídica do Casamento Civil, da União Estável e da Adoção por Casais Homoafetivos, 1ª Ed., São Paulo: Ed. Método, 2008, pp. 46-47, aonde afirmamos que “o machismo é a origem remota da homofobia, ou seja, do preconceito e da discriminação contra homossexuais” – e, da mesma forma, a origem remota da transfobia, do preconceito e da discriminação contra travestis e transexuais.
[12] BORRILLO, Daniel. Homofobia. História e crítica de um preconceito, Tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira, 1a Edição, Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2000, p. 106. G.n.
[13] BORRILLO, Op. Cit., pp. 13-14, 15-16, 22 e 31-32. G.n.
[14] “É assim que a homofobia geral permite denunciar os desvios e deslizes do masculino em direção ao feminino e vice-versa, de tal modo que se opera uma reatualização constante nos indivíduos ao lembrar-lhes sua filiação ao ‘gênero correto’. Segundo parece, qualquer suspeita de homossexualidade é sentida como uma traição suscetível de questionar a identidade mais profunda do ser. Desde o berço, as cores azul e rosa marcam os territórios dessa summa divisio que, de maneira implacável, fixa o indivíduo seja à masculinidade, seja à femininilidade. E quando se profere o insulto ‘veado’ (‘pédé’), denuncia-se quase sempre um não respeito pelos atributos masculinos ‘naturais’ sem que exista uma referência particular à verdadeira orientação sexual da pessoa. Ou quando se trata alguém como homossexual (homem ou mulher), denuncia-se sua condição de traidor(a) e desertor(a) do gênero ao qual ele ou ela pertence ‘naturalmente’. […] Essa ordem sexual, ou seja, o sexismo, implica tanto a subordinação do feminino ao masculino quanto a hierarquização das sexualidades, fundamento da homofobia” (BORRILO, Op. Cit., pp. 26-27 e 30).
[15] Nesse sentido, RIOS, Roger Raupp. O conceito de homofobia na perspectiva dos direitos humanos e no contexto dos estudos sobre preconceito e discriminação, in RIOS, Roger Raupp (org.). Em defesa dos DIREITOS SEXUAIS, 1a Edição, Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2006, pp. 113, 114, 118, 119, 120, 122, 128-129 e 131-134. Após apontar que, em uma abordagem psicológica, “Preconceito é o termo utilizado, de modo geral, para indicar a existência de percepções negativas por parte de indivíduos e grupos, onde estes expressam, de diferentes maneiras e intensidades, juízos desfavoráveis em face de outros indivíduos e grupos, dado o pertencimento ou a identificação destes a uma categoria tida como inferior” e que, em uma abordagem sociológica, “o preconceito é ‘definido como uma forma de relação intergrupal onde, no quadro específico das relações de poder entre grupos, desenvolvem-se e expressam-se atitudes negativas e depreciativas além de comportamentos hostis e discriminatórios em relação aos membros de um grupo por pertencerem a este grupo (Camino & Pereira, no prelo)”, afirma o autor que “homofobia é a modalidade de preconceito e de discriminação direcionada contra homossexuais”. Anota ainda que “as ideias de ‘aversão a homossexuais’ e de ‘heterossexismo’ operam como pontos de convergência de algumas das controvérsias aludidas, possibilitando examinar o estado da arte destes estudos e uma análise da homofobia dentro do paradigma dos direitos humanos”; que o termo homofobia foi cunhado justamente com o significado de aversão fóbica, ou seja, “o próprio termo foi cunhado a partir de elaborações psicológicas”, mas que acabou adquirindo também a condenação do heterossexismo, “um sistema onde a heterossexualidade é institucionalizada como norma social, política, econômica e jurídica, não importa se de modo explícito ou implícito”, sendo que, nesse sentido, “A relação umbilical entre sexismo e homofobia é um elemento importantíssimo para perceber a homofobia como derivação do heterossexismo”, na medida em que “A homofobia revela-se como contraface do sexismo e da superioridade masculina, na medida em que a homossexualidade põe em perigo a estabilidade do binarismo das identidades sexuais e de gênero, estruturadas pela polaridade masculino/feminino”. Adiante, precisa as diferenças entre preconceito e discriminação, pois “o termo discriminação designa a materialização, no plano concreto das relações sociais, de atitudes arbitrárias, comissivas ou omissivas, originadas do preconceito, capazes de produzir violação de direitos contra indivíduos e grupos estigmatizados”, cabendo anotar que o autor vislumbra no termo discriminação uma carga inerentemente negativa, de diferenciação prejudicial e injusta (o que, a nosso ver, tem certa razão mas não precisa ser entendido dessa forma, bastando que se adjetive a discriminação de positiva/benéfica ou negativa/prejudicial). Aponta o autor, ainda, que “fica claro que a indivíduos e grupos distantes dos padrões heterossexistas é destinado um tratamento diverso daquele experimentado por heterossexuais ajustados a tais parâmetros. Essa experiência, comumente designada pelo termo ‘homofobia’, implica discriminação, uma vez que envolve distinção, exclusão ou restrição, prejudicial ao reconhecimento, ao gozo ou exercício em pé de igualdade de direitos humanos e liberdades fundamentais” para, por fim, analisar modalidades de discriminação homofóbica direta e indireta.
[16] PRADO e JUNQUEIRA, Op. Cit., p. 63.
[17] Ibidem, p. 67.
[18]Cf. http://www.un.org/apps/news/story.asp?NewsID=38406&Cr=Pillay&Cr1 (acesso em 05.05.2012).
[19] STF, HC n.º 82.424-2/RS, voto do Ministro Maurício Correa, p. 37.
[20] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, 5ª Edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 306.
[21] Cf., v.g., STJ, AgRg nos Edcl na MC n.º 18.102/SP, DJe de 24/08/11, segundo o qual “[…] não é absoluta a ordem de bens passíveis de penhora contida no art. 655 do CPC […]”.