Histórico. O GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual, a Coordenação Municipal de Políticas LGBT e um advogado oficiaram a Justiça Desportiva Paulistana para apuração e punição da homofobia praticada pelos torcedores do Corinthians no jogo contra o São Paulo, no Pacaembu, na antepenúltima rodada do Campeonato Paulista. Pois bem, embora tenham gerado um efeito positivo, a cientificação da Confederação Paulista de Futebol e do Corinthians para que façam campanhas anti-homofobia (algo indispensável), a decisão (disponível em: http://espn.uol.com.br/noticia/400748_para-tribunal-corintianos-chamaren-rogerio-ceni-de-bicha-no-estadio-nao-e-homofobia) é de um simplismo acrítico absurdo ao dizer que chamar alguém de “bicha” com o claro intuito de menosprezo (como o canto “ooooohhhh… biiiichaaaaa”, contra Rogério Ceni) não seria uma forma de homofobia. Ora, usa-se uma suposta homossexualidade a ele atribuída como uma ofensa, o que implica necessariamente em menosprezo à homossexualidade. Irrelevante Rogério Ceni não ser gay, ele teve a si atribuída a homossexualidade pela torcida corinthiana com um tom ofensivo. Isso tem um nome: homofobia… Fora que, como destacamos pelo GADvS, isso se repetiu também no jogo seguinte, contra a Penapolense, em Penápolis, contra o goleiro respectivo, bem como houve outras formas de menosprezos homofóbicos no jogo do Corinthians que narramos no ofício do GADvS, no qual se destacou que homofobia é qualquer forma de preconceito (e discriminação) contra homossexuais e, logo, à homossexualidade como um todo… mas nada disso foi enfrentado na decisão, apesar da notícia aqui divulgada (segundo comentário) aduzir o recebimento do ofício do GADvS sobre o tema… Logo, lamentável a fundamentação que rejeitou a homofobia neste caso concreto, mas pelo menos as representações tiveram o efeito positivo de fazer a Confederação Paulista de Futebol e o Corinthians, o que os outros clubes devem entender estendido também a si, para combaterem a homofobia no futebol.
Pois bem, tal conduta da torcida do Corinthians se repetiu no jogo Corinthians x Flamengo, no Pacaembu, no dia 27.04.14, entoando o canto homofóbico supra referido contra o goleiro Felipe, do Flamengo [1]. Providenciamos denúncia ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) – esperemos que haja melhor compreensão do que seja homofobia por ele e haja efetiva punição ao clube em questão.
Em razão desta reincidência da torcida do Corinthians, editei essa postagem para divulgar aqui o ofício enviado pelo GADvS ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), no dia 06.05.14 – e, agora, no dia 02.07.2014, editei novamente para incluir o “recurso” ao Procurador-Geral de Justiça Desportiva, para que ele revogue/supere o parecer do Procurador originalmente designado ao caso (algo possível à luz do disposto no art. 74, §2º, do CBJD) e reconheça a homofobia do caso concreto.
Para facilitar a compreensão, mantenho a denúncia original ao STJD em primeiro lugar para, em seguida, transcrever o “recurso” formulado ao Procurador-Geral da Justiça Desportiva.
Esperávamos que o Procurador-Geral tenha um melhor entendimento do caso, proponha a denúncia e seja ela acolhida pelo STJD, para que este decida de forma distinta do que decidiu TJD/SP (até porque refutamos os argumentos deste neste novo ofício na denúncia ao STJD).
Contudo, lamentavelmente, no dia 19.08.14 recebi e-mail do STJD comunicando decisão contrária do Procurador-Geral da Justiça Desportiva, o qual se limitou a, laconicamente, dizer que ratificava o parecer anterior, sem tecer uma única consideração sobre as razões do “pedido de revisão” (espécie de “recurso”) apresentado a ele, nos termos do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD). Absolutamente lamentável essa tolerância com a homofobia no futebol, já que é indefensável dizer que não haveria homofobia nas citadas manifestações, ante o supra exposto. Enfim, pretendo em breve entrar na Justiça Comum para “reverter” tal decisão da Justiça Desportiva, já que esgotada a via administrativa desta, como exige a Constituição Federal para ingresso na Justiça Comum. Logo, a luta continua(rá).
———————————————-
São Paulo, 05 de maio de 2014.
Ofício GADvS n.º 03/2014
Para
Sr. Dr. Procurador-Geral do Superior Tribunal de Justiça Desportiva.
Endereço: Rua da Ajuda, n.º 35, 15º andar, Rio de Janeiro/RJ, CEP 20.040-000 (Telefone: 21 2532-8709)
E-mail: adriana.solis@cbf.com.br
O GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual, Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) inscrita no CNPJ sob o n.º 17.309.463/0001-32, que tem como finalidades institucionais a promoção dos direitos da população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) e o enfrentamento da homofobia e da transfobia, com sede na Rua da Abolição, n.º 167, São Paulo/SP, CEP 01319-030, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Senhoria, apresentar REPRESENTAÇÃO (NOTÍCIA DE INFRAÇÃO DISCIPLINAR) sobre as manifestações de homofobia perpetradas pela torcida do Corinthians na antepenúltima e na penúltima rodadas da primeira fase do Campeonato Paulista de Futebol de 2014, no intuito de fornecer subsídios para que Vossa Senhoria possa tomar as atitudes cabíveis, nos seguintes termos:
Inicialmente, requer-se a isenção do pagamento de eventuais taxas/custas/emolumentos (etc), na medida em que o GADvS é uma Organização Não-Governamental de Direitos Humanos sem fins lucrativos.
A torcida do Corinthians, no jogo contra o Clube de Regatas Flamengo (segunda rodada do Campeonato Brasileiro de 2014), hostilizou o goleiro Felipe, com manifestações de cunho inegavelmente homofóbico.
Com efeito, quando referido goleiro ia bater o tiro de meta, a referida torcida entoava o seguinte canto: “Ooooohhhhhhh… biiiichaaaaa”[bicha]. Matérias da mídia eletrônica comprovam isso[1].
Fica claro, assim, que a torcida do Corinthians cometeu nefastas manifestações homofóbicas que não podem passar impunes perante a Justiça Desportiva. Ora, chamar alguém de “bicha” em tom pejorativo tem o mesmo sentido, de menosprezo a alguém pela homossexualidade atribuída a tal pessoa. Irrelevante o goleiro Felipe não ser homossexual: a homossexualidade foi a ele atribuída de forma pejorativa, como se ofensa fosse, donde tivemos uma manifestação homofóbica que menospreza a homossexualidade relativamente à heterossexualidade, portanto ofendendo toda a comunidade homossexual. A homossexualidade não deve ser vista como uma “ofensa” a quem quer que seja, mas imputar a homossexualidade a alguém com o intuito de menosprezar tal pessoa por tal circunstância é um discurso evidentemente homofóbico que não pode ser tolerado.
Nesse sentido, o GADvS solicita que sejam tomadas as medidas desportivas cabíveis contra o time do Corinthians, ante a homofobia ser passível de enquadramento no artigo 243-G do CBJD (Código Brasileiro de Justiça Desportiva), na modalidade discriminação por motivo de sexo, ou, pelo menos, pelo rol de atos discriminatórios do referido dispositivo infralegal não poder ser visto como taxativo, mas como meramente exemplificativo, no mínimo por interpretação conforme à Constituição, já que nossa Constituição Federal veda preconceitos e discriminações de quaisquer espécies em seu artigo 3º, inciso IV, de sorte a que um rol de atos discriminatórios passíveis de punição não-criminal deve ser interpretado extensivamente, para se punir todo e qualquer ato discriminatório, de sorte a, neste caso concreto, gerar a punição de qualquer prática ou incitação de preconceito ou discriminação por parte de torcidas de futebol. Punição ao clube, que não pode deixar de ser responsabilizado por atos ilícitos de seus torcedores no interior do estádio, ao menos quando diretamente relacionados com o jogo de futebol, como no presente caso. Afinal, a Justiça Desportiva evidentemente também está sujeita à irradiação das normas constitucionais na interpretação e delimitação de conteúdo das normas infraconstitucionais, no que tange a se interpretar o rol do art. 243-G do CBJD como meramente exemplificativo e não taxativo.
Note-se que há clara “reincidência” da referida torcida em tal conduta, já que teve a mesma conduta nefasta no Campeonato Paulista de 2014, nos jogos contra os times do São Paulo e da Penapolense. Absurdamente, o Presidente do Tribunal de Justiça Desportiva de São Paulo não vislumbrou homofobia no caso por Rogério Ceni, goleiro do São Paulo, não ser gay, em uma visão (data venia) extremamente simplória do tema (não obstante seja louvável ter ele determinado, apesar de equivocadamente não ter visto homofobia no caso, que a Federação Paulista de Futebol e o Corinthians tomem providências contra a homofobia em seus âmbitos de atuação). Ora, as manifestações da torcida em questão tiveram o claro intuito (animus/dolo direto) de menosprezá-lo, tentando ofendê-lo, mediante imputação de homossexualidade a ele, o que caracteriza homofobia por isto ter a si inerente o menosprezo da homossexualidade e consequentemente dos homossexuais relativamente à heterossexualidade e aos heterossexuais. Irrelevante Felipe ser ou não homossexual para a caracterização de discurso homofóbico no caso concreto. A homofobia se caracterizou pelo menosprezo à homossexualidade em geral, por acaso imputada a Felipe neste caso particular. A afirmação de que não teria havido animus de criticar a orientação sexual do atleta [em particular, feita pelo Presidente do TJD/SP] é absolutamente irrelevante: o discurso da torcida corintiana foi homofóbico (e não classificar uma manifestação coletiva e orquestrada como essa como “discurso” seria de um conceitualismo restritivo absolutamente injusticável). Verdadeiro discurso de ódio contra a homossexualidade. Uma verdadeira injúria coletiva[2]contra homossexuais em geral, já que o menosprezo à homossexualidade não tem como ser dissociada de um menosprezo a homossexuais relativamente à heterossexualidade e aos heterossexuais…
Vejamos as precisas palavras de Leonardo Sakamoto[3], renomado blogueiro do UOL, em sua coluna de 06.04.2014:
“É claro que as torcidas organizadas (sic) de futebol quando entoam coros chamando determinados jogadores de ‘bicha’, que é um termo depreciativo, têm o intuito de transformar uma orientação sexual em xingamento. Reforçam, dessa forma, que ser ‘bicha’ é ser ruim, ser frouxo, medroso, incapaz e tantos outros elementos acrescidos ao significado falsamente aos gays ao longo do tempo. Nesse caso, o uso da expressão não está atacando apenas o jogador (independentemente da orientação sexual do esportista), mas toda a coletividade, pois reforça preconceitos e questiona a dignidade de determinado grupo. Fazendo um paralelo simples: um estádio inteiro gritando que um jogador negro é ‘negro’’ não é simples observação da realidade, mas quer passar um recado cuja intenção não é das melhores. Assume uma conotação diferente do significa original da palavra, com um significado bem distante de gritar que um jogador branco é ‘branco’. Pois sabemos bem que a sociedade dá pesos diferentes a negros e brancos e que o racismo ainda grassa por aqui. Nesse sentido, ataques coletivos deveriam ser analisados com rigor pela Justiça, aplicando punições didáticas para o clube da torcida em questão” (grifos nossos).
Lembremos dois absurdos casos relativamente recentes de violência homofóbica cometida contra heterossexuais para ajudar na argumentação. Em 2011, estavam um pai e um filho abraçados na cidade de São João da Boa Vista/SP quando, de repente, passaram a ser ofendidos e posteriormente agredidos por um grupo de homens porque foram confundidos com um casal homoafetivo, sendo que o pai perdeu parte da orelha em decorrência das agressões…[4] No mesmo sentido, agora em 2012, dois irmãos gêmeos, saindo de uma casa noturna de Salvador/BA, estavam igualmente abraçados e, também por terem sido confundidos com um casal homoafetivo, foram espancados, com um deles vindo a lamentavelmente falecer…[5] Ora, pela (data venia) indefensável lógica do Presidente do TJD/SP, tais casos “não poderiam” ser enquadrados como homofobia, mesmo as agressões tendo se dado unicamente porque pai e filho e irmãos em questão foram confundidos com casais homoafetivos… mas, da mesma forma que neste caso desportivo, houve homofobia caracterizada, na medida e que as agressões e ofensas se deram por se imputar homossexualidade a tais irmãos e a tais pai e filho, da mesma forma que a homofobia aqui consiste em se imputar a outrem (Felipe) a homossexualidade com o intuito de ofendê-los mediante imputação de homossexualidade a eles… sendo que seria um profundo desafio à inteligência da pessoa mediana dizer que não teria havido animus de ofender tais jogadores mediante a imputação de homossexualidade a eles, já que a homossexualidade só foi a eles imputada em razão dela ser considerada como algo “negativo” ou “passível de menosprezo” por tais torcedores para, somente por isso, ser imputada aos goleiros em questão. Portanto, homofobia mais do que caracterizada, no sentido de menosprezo à homossexualidade e a homossexuais em geral, o que deve ser coibido pela Justiça Desportiva ante a vedação constitucional de preconceitos de quaisquer espécies (art. 3º, inc. IV, da CF/88).
Nem se argumente que o caso dos gêmeos e do pai e filho supra seriam “diferentes” pelas agressões, pois esse não é o ponto. É evidente que em ambos os casos temos configurado o crime de lesão corporal pelo fato das agressões isoladamente consideradas, mas os casos são equivalentes porque, da mesma forma que houve tais agressões unicamente em razão de tais gêmeos e pai e filho terem tido a si imputada a homossexualidade, também no caso de Felipe as (tentativas de) ofensas se deram unicamente em razão de terem tido a si imputada a homossexualidade. Na linguagem da doutrina dos precedentes, seria uma distinção inconsistente (absolutamente inconsistente) a que se pautasse unicamente por termos tido violência nos primeiros e “apenas” ofensas no segundo; claro que as penas teriam que ser diferentes, mas em todos os casos houve homofobia, em razão dela evidentemente/incontestavelmente ter sido o que motivou tais crimes…
Também irrelevante a tentativa da decisão de enquadrar o caso como deboche público, zombaria, euforia coletiva [?] ou piada politicamente incorreta em coro. Ora, tratando-se de menosprezo à homossexualidade em geral, claramente o discurso é homofóbico e a homofobia está caracterizada. Da mesma forma que não há “direito” a deboches negrofóbicos, não há “direito” a deboches homofóbicos, ambos sendo ilícitos e inconstitucionais (até porque homofobia é espécie do gênero racismo, considerando que o Supremo Tribunal Federal afirmou que racismo é toda ideologia que pregue a inferioridade de um grupo relativamente a outro no julgamento do HC 82.424/RS, no que foi referendado pela doutrina de Guilherme de Souza Nucci, como demonstrado abaixo. No mais, como assim “euforia”? Uma “euforia negrofóbica” por acaso seria aceita? Óbvio que não, donde uma “euforia homofóbica” também não pode ser tolerada, sendo até desrespeitoso falar-se em “euforia” no contexto das ofensas – quem ofende sabe que está ofendendo, esteja ou não respaldado por apoio grupal, como no caso… Utilizaremos aqui uma comparação analógica para explicar nosso entendimento: imagine-se que um jogador comumente chamado de mulato (“moreno” etc), de cor de pele que não é nem totalmente branca nem totalmente negra, mas que não se identificasse como negro, fosse o goleiro no lugar de Felipe e imagine-se que a torcida cantasse “oooohhhhh… preeeeetooooo” [preto], ou, pior, “oooohhhhh… ma-ca-co”… É evidente que tratar-se-iam de manifestações tipicamente racistas, independentemente de o jogador em questão se considerar como “negro” ou não…
Analisemos outro caso envolvendo racismo. Em 2010, Neymar afirmou em entrevista que nunca tinha sofrido racismo, “até porque não sou preto, né?”[6] (SIC), ou seja, Neymar não se considera negro,contudo, isso não o impediu de ser vítima de racismo na Bolívia, pela Copa Libertadores[7], Espanha, quando ele e Daniel Alves tiveram contra si atiradas bananas, na notória alusão pejorativa racista entre negros e maçados… Novamente, pela (data venia) indefensável lógica do tribunal na decisão do Presidente do TJD/SP, tal caso “não poderia” ser enquadrados como racismo, por Neymar não se autoidentificar como negro… quando, ao contrário, é evidente o racismo porque Neymar teve a si imputada a negritude pelos torcedores racistas em questão, que atiraram tais bananas por motivações racistas. É o mesmo caso daqui, na qual as ofensas a Felipe se deram por imputação a eles de homossexualidade, sejam eles ou não homossexuais, considerem-se ou não homossexuais, sendo que, reitere-se à exaustão, a homofobia deste caso está no menosprezo à homossexualidade inerente a tais manifestações contra tais jogadores, por claramente terem usado a homossexualidade como uma ofensa contra eles…
Logo, embora a autoidentificação (ao menos jurídicos) seja absolutamente relevante na generalidade dos casos sobre temas de minorias e grupos vulneráveis, uma pessoa não é só ofendida/discriminada pela forma como ela se identifica, ela é muitas vezes ofendida/discriminada em razão da forma como a sociedade a percebe e por aquilo que a sociedade a ela imputa, seja esta imputação verdadeira ou não. Logo, considerando que é indefensável dizer que com o canto “oooohhhh… biiichaaaa” a torcida do Corinthians quis ofender o jogador Felipe mediante imputação de homossexualidade a si (o que incontestavelmente se dá por um menosprezo à homossexualidade inerente a uma tal manifestação, pois do contrário não se tentaria ofendê-lo dessa forma), tivemos aqui efetivamente praticada homofobia pela torcida do Corinthians, a demandar uma atitude do Tribunal para reprimir o ocorrido e não só para solicitar futuras campanhas anti-homofobia pela Federação Paulista de Futebol e pelo Corinthians.
Entenda-se bem o que se está dizendo (reiterando o supra exposto), louva-se a postura do Tribunal Paulista de, mesmo (equivocadamente) não vislumbrando homofobia no caso concreto, conclamar a Federação Paulista de Futebol e o Corinthians a fazerem campanhas contra a homofobia. O que se critica (enfaticamente) é a visão demasiado restritiva que a referida decisão deu ao conceito de homofobia e à sua caracterização no caso concreto.
Por fim, parece pertinente fazermos algumas breves explicações conceituais, vale lembrar que:
(i) homofobia refere-se a todo ato de preconceito e discriminação inferiorizante(s) contra homossexuais e bissexuais relativamente a heterossexuais com base em sua orientação sexual. No mesmo sentido, transfobiarefere-se a todo ato de preconceito e discriminação inferiorizante(s) contra travestis, transexuais e transgêneros em geral relativamente a heterossexuais cisgêneros (que se identificam com o gênero socialmente atribuído a seu sexo biológico), com base em sua identidade de gênero. Todo e qualquer preconceito ou discriminação contra homossexuais e bissexuais configura homofobia e todo e qualquer preconceito ou discriminação contra travestis, transexuais e transgêneros em geral configura transfobia[8];
(ii) orientação sexual refere-se ao sexo[9] que atrai a pessoa de maneira erótico-afetiva e identidade de gênero refere-se ao gênero com o qual se identifica a pessoa (e gênero refere-se ao conjunto de características socialmente atribuídas a uma pessoa em razão de seu sexo biológico, preconizando uma identidade socialmente construída à qual os indivíduos se conformam; gênero refere-se à dicotomia masculinidade e feminilidade, sendo assim a identidade de gênero a identificação da pessoa com o masculino ou o feminino, ou por vezes a assunção de uma identidade que subverte/não-aceita esse binarismo de gêneros, mediante uma identidade fluida entre eles).A orientação sexual refere-se à homossexualidade, heterossexualidade e bissexualidade, ao passo que a identidade de gênero refere-se à transexualidade, travestilidade, à transgeneridade em geral e à cisgeneridade (identicação com o gênero socialmente atribuído a seu sexo biológico). Nos termos dos célebres Princípios de Yogyakarta[10], “Compreendemos orientação sexual como uma referência à capacidade de cada pessoa de ter uma profunda atração emocional, afetiva ou sexual por indivíduos de gênero diferente, do mesmo gênero ou de mais de um gênero, assim como ter relações íntimas e sexuais com essas pessoas”, bem como “Compreendemos identidade de gênero a profundamente sentida experiência interna e individual do gênero de cada pessoa, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo (que pode envolver, por livre escolha, modificação da aparência ou função corporal por meios médicos, cirúrgicos ou outros) e outras expressões de gênero, inclusive vestimenta, modo de falar e maneirismos”.
Sobre o fato de a discriminação por orientação sexual se enquadrar na discriminação por motivo de sexo, há forte doutrina que embasa esse entendimento. Com efeito, para Roger Raupp Rios[11], “De fato, a discriminação por orientação sexual é uma hipótese de diferenciação fundada no sexo da pessoa para quem alguém dirige seu envolvimento sexual, na medida em que a caracterização de uma ou outra orientação sexual resulta da combinação dos sexos das pessoas envolvidas na relação. Assim, Pedro sofrerá ou não discriminação por orientação sexual precisamente em virtude do sexo da pessoa para quem dirigir seu desejo ou sua conduta sexual. Se orientar-se para Paulo, experimentará a discriminação; todavia, se dirigir-se para Maria, não suportará tal diferenciação. Os diferentes tratamentos, neste contexto, têm sua razão de ser no sexo de Paulo (igual ao de Pedro) ou de Maria (oposto ao de Pedro). Este exemplo ilustra com clareza como a discriminação por orientação sexual retrata uma hipótese de discriminação por motivo de sexo. […] Isto porque é impossível a definição da orientação sexual sem a consideração do sexo dos envolvidos na relação verificada; ao contrário, é essencial para a caracterização de uma ou de outra orientação sexual levar-se em conta o sexo, tanto que é o sexo de Paulo ou de Maria que ensejará ou não o juízo discriminatório diante de Pedro. Ou seja, o sexo da pessoa envolvida em relação ao sexo de Pedro é que vai qualificar a orientação sexual como causa de eventual tratamento diferenciado”.Para Maria Berenice Dias[12], “O tratamento diferenciado, pela inclinação a um ou a outro sexo, evidencia clara discriminação à própria pessoa, em função da identidade de seu sexo. Como a orientação sexual só é passive de distinção diante do sexo da pessoa escolhida, é direito que goza de proteção constitucional em face da vedação de discriminação por motivo de sexo. O gênero da pessoa eleita não pode gerar tratamento desigualitário com relação a quem escolhe, sob pena de se estar diferenciando alguém pelo sexo que possui: se igual ou diferente do sexo da pessoa escolhida”. Com base nessas lições, expõe Paulo Roberto Iotti Vecchiatti[13], advogado signatário desta manifestação, que “se uma pessoa não é discriminada juridicamente por direcionar seu amor familiar a outra de sexo diverso, não pode sofrer represália do Direito pelo simples fato de amar uma pessoa do mesmo sexo” – esclarece o signatário que se fala em amor familiar neste trecho por ele analisar o tema do casamento civil por casais homoafetivos em igualdade de condições relativamente a casais heteroafetivos, posição aplicável também à união estável e à adoção conjunta, mas é evidente que a essência de tal entendimento é aquela no sentido de que uma pessoa não pode ser discriminada por seu sexo/sua orientação sexual independentemente de estar ou não em uma união conjugal com seu parceiro ou sua parceira. A maneira mais precisa de se definir, assim, a proibição da discriminação por orientação sexual como motivo de discriminação por motivo de sexo é a de que a pessoa não pode ser discriminada pelo fato de direcionar seu desejo ou conduta sexual a uma pessoa do mesmo sexo, como bem explicitado na lição de Roger Raupp Rios, supra, que apenas se aplicou ao tema do Direito das Famílias nesta última transcrição. Lembre-se que situação absolutamente análoga fez a Suprema Corte dos EUA declarar a inconstitucionalidade da vedação do casamento inter-racial no célebre caso Loving vs. Virginia, na medida em que constituía crime em estados daquele país uma pessoa branca se casar com uma pessoa de outra raça. Em ambos os casos temos uma ideologia inferiorizante de grupos sociais (negros/LGBT) relativamente a outro (brancos/heterossexuais cisgêneros).
Por outro lado, considerando que as citadas manifestações homofóbicas se deram em um jogo de futebol masculino, a norma do artigo 243-G do CBJD não faria sentido se não englobasse a discriminação por orientação sexual. Ora, não há “futebol misto” no Brasil, no qual um mesmo time de futebol possa ter homens e mulheres, donde parece inviável, fora do contexto da discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero, que um jogador de futebol seja discriminado “por ser homem e não mulher”, ou vice-versa, no caso do futebol feminino. Como não se pode atribuir à lei significados inúteis (lei “lato sensu”, a abarcar normas constitucionais e infralegais), consoante célebre princípio geral de Direito, é preciso dar ao citado texto normativo uma interpretação que permita a sua aplicabilidade e a aplicabilidade do termo sexo do art. 243-G do CBJD supõe, necessariamente, a sua incidência para casos de discriminação por orientação sexual (e por identidade de gênero), sob pena de se verdadeiramente inutilizar o citado texto normativo.
Destaque-se, ainda, que foi noticiado na mídia eletrônica que a Justiça Desportiva já tem este entendimento[14], o que, se confirmado, ratifica ainda mais a necessidade de denúncia e punição no presente caso.
Lembre-se, ainda, que homofobia e transfobia são manifestações discriminatórias não protegidas pela liberdade de expressão, na medida em que este importante direito fundamental não pode agasalhar discursos de ódio e ofensas a indivíduos ou coletividades, por violar a célebre compreensão do direito à liberdade (no qual evidentemente se enquadra a liberdade de expressão) segundo o qual a liberdade garante a prerrogativa de se fazer tudo aquilo que não prejudique terceiros – e é evidentemente prejudicial à população LGBT um discurso que vise menosprezar alguém em razão da homossexualidade a si atribuída (que fique claro, não se está dizendo aqui que os jogadores dos times de futebol hostilizados pela torcida do Corinthians nos dois jogos seriam homossexuais, nem que a homossexualidade em si seria uma “ofensa”, mas que a atribuição a tais pessoas da homossexualidade como algo supostamente “pejorativo”, com o claríssimo intuito de ofender/menosprezar tais jogadores, constitui-se como manifestação homofóbica evidentemente não abarcada pelo âmbito de proteção da liberdade de expressão, da mesma forma que o racismo em geral não o é – e o Supremo Tribunal Federal já disse, no famoso caso Ellwanger (HC 82.424/RS) que a liberdade de expressão não garante um pseudo “direito ao racismo” nem a atos ilícitos em geral, e a ofensa a terceiros e a coletividades é evidentemente um ato ilícito, tanto civilmente (dano moral) quanto criminalmente (injúria/difamação).
Nesse sentido, Tribunais Internacionais já declararam que a homofobia é uma prática tão grave quanto o racismo em geral, a ele absolutamente equivalente e que ela não é protegida pela liberdade de expressão [e, pelas mesmas razões, também a transfobia não o é]. Cite-se, exemplificativamente, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), no caso Vejdeland e outros v. Suéciareiterou seu posicionamento no sentido de que a discriminação por orientação sexual é tão séria/grave quanto a discriminação por “raça, origem e cor”[15], donde, acrescentamos, também não pode ser tolerada pela Justiça Desportiva [o mesmo valendo para a discriminação por identidade de gênero]. Ademais, a Suprema Corte do Canadá[16] bem afirmou que as liberdades de expressão e religião não garantem às pessoas o direito de exporem outros(as) ao ódio, ao ridículo ou quaisquer outras formas de afronta à dignidade das vítimas, o que decidiu referendando a constitucionalidade de legislação que pune manifestações de cunho homofóbico.
Ademais, não se pode deixar de considerar, ainda, a Resolução da ONU de 16 de junho de 2011, que insta os países a coibirem a discriminação por orientação sexual e por identidade de gênero, bem como a Resolução da OEA de 25 de maio de 2009, no mesmo sentido. Afinal, consoante relato dos Juízes Spielmann e Nussberger do Tribunal Europeu de Direitos Humanos ao comentarem a Resolução Europeia adotada pelo Comitê de Ministros em 21 de Outubro de 2009, manifestações de natureza homofóbica contribuem para uma atmosfera de hostilidade e violência contra as minorias sexuais[17], donde necessária sua punição em uma sociedade democrática que respeite os direitos das minorias em geral. Dessa forma, a Recomendação Européia CM/Rec(2010)5 (de 31/03/2010) do Comitê de Ministros conclamou os Estados-Membros a adotarem medidas para combater a discriminação fundada na orientação sexual e na identidade de gênero, bem como ações específicas para garantir a garantia completa dos direitos humanos da população LGBT (“specific action to ensure the full enjoyment of human rights by LGBT persons”)[18].
Até porque é uma incoerência punirem-se discriminações raciais e não se punirem as discriminações homofóbicas e transfóbicas, especialmente porque homofobia e transfobia são espécies do gênero racismo. Com efeito, no citado julgamento do HC 82.424/RS, ante a então recente conclusão do Projeto Genoma no sentido de que não existem “raças humanas biologicamente distintas entre si” (refutando definitivamente tradicional compreensão racista sobre o tema), para que o crime de racismo não se tornasse “crime impossível”, o Supremo Tribunal Federal adotou (corretamente) o conceito de racismo social para entender como racismo toda e qualquer ideologia que pregue a inferioridade de determinado grupo social relativamente a outro, conceito no qual se enquadram a homofobia e a transfobia. Referendando tal lição, Guilherme de Souza Nucci afirma peremptoriamente que a discriminação contra homossexuais constitui espécie do gênero racismo. Em suas palavras:
“[…] Do voto vencedor: ‘[…] Com efeito, limitar o racismo a simples discriminação de raças, considerado apenas o sentido léxico ou comum do termo, implica a própria negação do princípio da igualdade, abrindo-se a possibilidade para a limitação de direitos a determinada parcela da sociedade, o que põe em xeque a própria natureza e prevalência dos direitos humanos. Condicionar a discriminação como crime imprescritível apenas aos negros e não aos judeus é aceitar como desiguais aqueles que na essência são iguais perante tal garantia. Parece-me, data venia, uma conclusão inaceitável’ (acórdão citado) […] Portanto, raça é termo infeliz e ambíguo, pois quer dizer tanto um conjunto de pessoas com os mesmos caracteres somáticos como também a um grupo de indivíduos de mesma origem étnica, linguística ou SOCIAL. Raça, enfim, um grupo de pessoas que comunga de ideais ou COMPORTAMENTOS COMUNS, ajuntando-se para defendê-los, sem que, necessariamente, constituam um grupo homogêneo ou um conjunto de pessoas fisicamente parecidas. Aliás, assim pensando, HOMOSSEXUAIS discriminados podem ser, para os fins de aplicação desta Lei, considerados um GRUPO RACIAL. Em contrário, entende Christiano Jorge Santos que, em face de as leis, ao menos as que prevêem punições no campo penal, não utilizarem a expressão orientação sexual, não há como operar a tipificação em qualquer infração penal (Crimes de preconceito e discriminação, p. 68). Ora, se o STF considerou racismo, para efeito de considerar imprescritível o art. 20 desta Lei, atitudes de antissemitismo são imprescritíveis, mesmo se considerando que o judeu é o adepto da religião denominada judaísmo, podendo ser qualquer pessoa, inclusive o que nasceu e se formou católico, mas, posteriormente, converteu-se. Dessa forma, parece-nos possível, igualmente, considerar racismo a busca da exclusão de outros grupos sociais homogêneos, exteriormente identificados por qualquer razão. E mais, podemos incluir nessa possibilidade o ateu – aquele que não acredita em Deus e em nenhuma força sobrenatural, regente do Universo ou das relações humanas. […] Parece-nos que é racismo, desde que, na esteira da interpretação dada pelo STF, qualquer forma de FOBIA, dirigida ao ser humano, pode ser manifestação racista. Daí por que, inclui-se no contexto da Lei 7.716/89. Nem se fale em utilização de analogia in malam partem. Não se está buscando, em um processo de equiparação por semelhança, considerar o ateu ou o homossexual alguém parecido com o integrante de determinada raça. Ao contrário, está-se negando existir um conceito de raça, válido para definir qualquer agrupamento humano, de forma que racismo ou, se for preferível, a discriminação ou o preconceito de raça é somente uma manifestação de pensamento segregacionista, voltado a dividir os seres humanos, conforme qualquer critério leviano e arbitrariamente eleito, em castas, privilegiando umas em detrimento de outras. Vamos além. […] Embora a pobreza não seja, no critério simplista do termo, uma raça, é um mecanismo extremamente simples de se diferenciar seres humanos. Logo, é mentalidade racista. Ser judeu, para o fim de considerar atos antissemitas como manifestações de racismo, logo crime imprescritível, foi interpretação constitucionalmente válida. Logo, ser ateu, HOMOSSEXUAL, pobre, entre outros fatores, também pode ser elemento de valoração razoável para evidenciar a busca de um grupo hegemônico qualquer de extirpar da convivência social indivíduos indesejáveis. Não se pode considerar racismo atacar judeus, unicamente por conta de lamentáveis fatos históricos, como o holocausto, mas, sobretudo, porque todos são seres humanos e raça é conceito enigmático e ambíguo, merecedor, pois, de uma interpretação segundo os preceitos da igualdade, apregoada pela Constituição Federal, em função do Estado Democrático de Direito.
9. Racismo: é o pensamento voltado à existência de divisão dentre seres humanos, constituindo alguns seres superiores, por qualquer pretensa virtude ou qualidade, aleatoriamente eleita, a outros, cultivando-se um objetivo segregacionista, apartando-se a sociedade em camadas e estratos, merecedores de vivência distinta. Racista pode ser tanto o sujeito integrante da maioria de determinado grupo contra qualquer indivíduo componente da minoria componente dessa comunidade, como o integrante da minoria, quando se defronta com alguém considerado da maioria. Se o racismo, como acabamos de expor, é, basicamente, uma mentalidade segregacionista, ele é capaz de percorrer todos os lados dos agrupamentos humanos. […]” (grifos nossos)
Nesse sentido, considerando que o heterossexismo e a consequente heteronormatividade social pregam a superioridade e a maior dignidade de heterossexuais cisgêneros (não-transgêneros) relativamente à comunidade LGBT e que a heterossexualidade seria a única sexualidade “aceitável”, o que gera o menosprezo e a discriminação contra pessoas LGBT[19], tem-se que o heterossexismo é uma ideologia tipicamente racista dada a homofobia e transfobia a ele inerentes. Em outras palavras, sendo o racismo um “reprovável comportamento que decorre da convicção de que há hierarquia entre os grupos humanos, suficiente para justificar atos de segregação, inferiorização, e até de eliminação de pessoas”[20], sendo o heterossexismo social a ideologia que prega a superioridade da heterossexualidade como a única sexualidade “aceitável”, portanto, como a sexualidade “superior” e considerando que isto tem gerado violência, ofensas, discriminações, ameaças e mesmo assassinatos contra pessoas LGBT, tem-se como inegável que o heterossexismo social constitui uma ideologia racista e, portanto, a homofobia e a transfobia constituem-se como ideologias/condutas tipicamente racistas por serem decorrências do heterossexismo.
Com efeito, segundo Daniel Borrillo:
“A homofobia é a atitude de hostilidade contra as/os homossexuais; portanto, homens ou mulheres. […] Do mesmo modo que a xenofobia ou o antissemitismo, a homofobia é uma manifestação arbitrária que consiste em designar o outro como contrário, inferior ou anormal; por sua diferença irredutível, ele é posicionado à distância, fora do universo comum dos humanos. […] Confinado no papel de marginal ou excêntrico, o homossexual é apontado pela norma social como bizarro ou extravagante. […] À semelhança do negro, do judeu ou de qualquer estrangeiro, o homossexual é sempre o outro, o diferente, aquele com quem é impensável qualquer identificação.
[…] No âmago desse tratamento discriminatório, a homofobia desempenha um papel importante na medida em que ela é uma forma de inferiorização, consequência direta da hierarquização das sexualidades, além de conferir um status superior à heterossexualidade, situando-a no plano do natural, do que é evidente. […] A diferença homo/hétero não é só constatada, mas serve, sobretudo, para ordenar um regime das sexualidades em que os comportamentos heterossexuais são os únicos que merecem a qualificação de modelo social e de referência para qualquer outra sexualidade. Assim, nessa ordem sexual, o sexo biológico (macho/fêmea) determina um desejo sexual unívoco (hétero), assim como um comportamento social específico (masculino/feminino). Sexismo e homofobia aparecem, portanto, como componentes necessários do regime binário das sexualidades[21]. […] A homofobia torna-se, assim, a guardiã das fronteiras tanto sexuais (hétero/homo), quanto de gênero (masculino/feminino). Eis porque os homossexuais deixaram de ser as únicas vítimas da violência homofóbica, que acaba visando, igualmente, todos aqueles eu não aderem à ordem clássica dos gêneros: travestis, transexuais, bissexuais, mulheres heterossexuais dotadas de forte personalidade, homens heterossexuais delicados ou que manifestam grande sensibilidade… […] A heterossexualidade aparece, assim, como o padrão para avaliar todas as outras sexualidades. Essa qualidade normativa – e o ideal que ela encarna – é constitutiva de uma forma específica de dominação, chamada HETEROSSEXISMO, que se define como a crença na existência de uma hierarquia das sexualidades, em que a heterossexualidade ocupa a posição superior. Todas as outras formas de sexualidade são consideradas, na melhor das hipóteses, incompletas, acidentais e perversas; e, na pior, patológicas, criminosas, imorais e destruidoras da civilização.
[…] Ora, se existem reações virulentas contra os gays e as lésbicas, a homofobia cotidiana assume, sobretudo, a forma de uma violência do tipo simbólico (Bourdieu, 1998) […] atitudes cognitivas de cunho negativo para com a homossexualidade nos planos social, moral, jurídico e/ou antropológico. O termo ‘homofobia’ designa, assim, dois aspectos diferentes da mesma realidade: a dimensão pessoal, de natureza afetiva, que se manifesta pela rejeição dos homossexuais; e a dimensão cultural, de natureza cognitiva, em que o objeto da rejeição não é o homossexual enquanto indivíduo, mas a homossexualidade como fenômeno psicológico e social. […] Ora, o heterossexismo diferencialista é, também, uma forma de homofobia – certamente mais sutil, mas não menos eficaz –, porque, ao rejeitar a discriminação de homossexuais, tem como corolário uma forma eufemística de segregacionismo. Em nome da diferença, a derrogação parcial do princípio de igualdade e a criação de um regime de exceção para gays e lésbicas foram propostas, na França, tanto por personalidades políticas quanto por intelectuais considerados, até então, progressistas (Borrillo; Fassin; Iacub, 1999)”. (grifos nossos)
No mesmo sentido, segundo Marco Aurélio Máximo Prado e Rogério Diniz Junqueira[22]:
O termo homofobia tem sido comumente empregado em referência a um conjunto de emoções negativas (aversão, desprezo, ódio, desconfiança, desconforto ou medo) em relação aos ‘homossexuais’. No entanto, entende-lo assim implica limitar a compreensão do fenômeno e pensar o seu enfrentamento somente com base em medidas voltadas a minimizar os efeitos de sentimentos e atitudes de ‘indivíduos’ ou de ‘grupos homofóbicos’. As instituições sociais pouco ou nada teriam algo a ver com isso. […] Assim, além de empregado em referência a um conjunto de atitudes negativas em relação a homossexuais, o termo, pouco a pouco, também passou a ser usado em alusão a situações de preconceitos, discriminação e violência contra a comunidade LGBT. Passou-se da esfera estritamente individual e psicológica para uma dimensão mais social e potencialmente mais politizadora. Mais recentemente, verifica-se a circulação de uma compreensão da homofobia como dispositivo de vigilância das fronteiras de gênero que atinge todas as pessoas, independentemente de suas orientações sexuais, ainda que em distintos graus e modalidades. […] As normas de gênero costumam aparecer numa versão nua e crua da pedagogia do insulto e da desumanização. Estudantes, professores/as, funcionários/as identificados como ‘não heterossexuais’ costumam ser degradados à condição de ‘menos humanos’, merecedores da fúria homofóbica cotidiana de seus pares e superiores, que agem na certeza da impunidade, em nome do esforço corretivo e normalizador” (grifos nossos).
Em suma, por esta representação o GADvS solicita queVossa Senhoria tome as medidas desportivas cabíveis para o presente caso, bem como que fique atento para denunciar ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) todos os casos em que haja manifestações homofóbicas/transfóbicas nos eventos futebolísticos, atuando com o mesmo rigor que atuaria no caso de racismo (até porque, como visto, homofobia e transfobia são espécies do gênero racismo, consoante o conceito de racismo social corretamente adotado pelo STF no HC 82.424/RS).
Por fim, requer-se a isenção do pagamento de eventuais taxas/custas/emolumentos (etc), na medida em que o GADvS é uma Organização Não-Governamental de Direitos Humanos sem fins lucrativos.
Sem mais para o momento, permanecemos à disposição para quaisquer esclarecimentos que se tornem necessários.
Atenciosamente,
______________________________________________________
GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual
pp. Paulo Roberto Iotti Vecchiatti (Diretor-Presidente)
OAB/SP n.º 242.668
[1] Cf. http://esporte.uol.com.br/futebol/campeonatos/brasileiro/serie-a/ultimas-noticias/2014/04/27/xingado-felipe-diz-que-relacao-com-corintianos-e-como-casamento.htm e http://www.goal.com/br/news/229/brasileir%C3%A3o-s%C3%A9rie-a/2014/04/27/4780609/felipe-resume-rela%C3%A7%C3%A3o-com-a-torcida-do-corinthians-%C3%A9-que-nem (último acesso a ambas em 04.05.14).
[2] Expressão cunhada pelo signatário, ante a (absurda) diferença que a jurisprudência fez entre “racismo” e “injúria racial” que designa o primeiro somente como a ofensa a negros em geral e a segunda à pessoa negra concretamente considerada, para com isso (com esta expressão) designar a necessidade de criminalização e punição em geral (cível e administrativa) às ofensas contra a coletividade LGBT como um todo. Embora se discorde dessa diferenciação artificial entre “racismo” e “injúria racial”, como ela está lamentavelmente consolidada, ela foi utilizada como parâmetro para a finalidade aqui narrada.
[3] Cf. http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2014/04/06/por-que-dizer-que-alguem-e-gay-ou-lesbica-e-encarado-como-xingamento/(acesso em 06.04.14).
[4] Cf. http://www.estadao.com.br/noticias/geral,pai-abraca-filho-e-e-agredido-por-homofobicos-em-sp,746840,0.htm (ultimo acesso em 06.04.14).
[5] Cf. http://noticias.r7.com/cidades/noticias/sobrevivente-de-suposto-ataque-homofobico-fala-sobre-irmao-gemeo-assassinado-20120708.html (último acesso em 06.04.14).
[6] Cf. http://olharbeheca.blogspot.com.br/2010/04/neymar-e-o-racismo.html (último acesso em 06.04.14).
[7] Cf. http://esportes.r7.com/blogs/cosme-rimoli/bolivianos-jogarem-banana-em-neymar-para-compara-lo-a-um-macaco-pode-ele-se-fantasiar-de-gorila-nao-pode-e-racismo-esse-e-o-brasil-09052012/(ultimo acesso em 06.04.14).
[8] Para Daniel Borrillo, “A homofobia é um preconceito e uma ignorância que consiste em crer na supremacia da heterossexualidade”. Cf.BORRILLO, Daniel. Homofobia. História e crítica de um preconceito. Tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira, 1a Edição, Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2000, p. 106. No mesmo sentido: PRADO, Marco Aurélio Máximo e JUNQUEIRA, Rogério Diniz. Homofobia, hierarquização e humilhação social. In: VENTURI, Gustavo e BOKANY, Vilma. Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil, 1ª Ed., São Paulo: Ed. Perseu Abramo, 2011, pp. 57 e 60, e RIOS, Roger Raupp. O conceito de homofobia na perspectiva dos direitos humanos e no contexto dos estudos sobre preconceito e discriminação, in RIOS, Roger Raupp (org.). Em defesa dos DIREITOS SEXUAIS, 1a Edição, Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2006, pp. 113, 114, 118, 119, 120, 122, 128-129 e 131-134, o qual é peremptório: “homofobia é a modalidade de preconceito e de discriminação direcionada contra homossexuais”.
[9] Utilizamos sexo aqui no sentido de corpo sexuado, no sentido de a pessoa ter um corpo coerente com o sexo masculino. Uma pessoa transexual que se submeta a cirurgia de transgenitalização passa a ter um corpo sexuado relativo ao gênero com o qual se identifica (à sua identidade de gênero) – se um homem (biológico) faz uma cirurgia de transgenitalização para assumir um corpo feminino, passa a ter um corpo sexuado feminino. Logo, para todos os efeitos, para a ser do sexo feminino. E vice-versa, para o caso de homens transexuais (mulheres biológicas que fizeram a cirurgia para ficarem com um corpo masculino). Nesse sentido: VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade. Da Possibilidade Jurídica do Casamento Civil, da União Estável e da Adoção por Casais Homoafetivos, 2ª Edição, São Paulo: Editora Método, 2013, p. 84 (nota n.º 95). Defendemos, assim, o uso da expressão tradicional, para fins de atração erótico-afetiva por pessoas do mesmo sexo (de sexo distinto ou a ambos os sexos) entendendo-se a expressão sexo masculino/feminoni como atinente a corpo masculino/feminino.
[10] Princípios de Yogyakarta disponíveis em: http://www.clam.org.br/pdf/principios_de_yogyakarta.pdf (último acesso em 26.03.14). Vide nota anterior para a questão do uso gênero ao invés de sexo, o que significa que, bem vistas as coisas, a ressignificação que se faz de sexo na nota anterior torna as definições idênticas ou, ao menos, equivalentes no que tange à definição de orientação sexual.
[11] RIOS, Roger Raupp. A Homossexualidade no Direito, 1ª Edição, Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2001, pp. 72-73.
[12] DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva. O Preconceito & a Justiça, 5ª Edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 90.
[13] VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade. Da Possibilidade Jurídica do Casamento Civil, da União Estável e da Adoção por Casais Homoafetivos, 2ª Edição, São Paulo: Editora Método, 2013, p. 241.
[14] Matéria de 14.03.14: “Você sabia que a Justiça Desportiva iguala as ofensas a Arouca e Ceni?”. In: http://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas-noticias/2014/03/14/voce-sabia-que-a-justica-desportiva-iguala-as-ofensas-a-arouca-e-ceni.htm (último acesso em 26.03.14).
[15] Cf. TEDH, caso Vejdeland e outros vs. Suécia, item 55 da decisão. Para a íntegra da mesma, vide http://cmiskp.echr.coe.int/tkp197/view.asp?action=html&documentId=900340&portal=hbkm&source=externalbydocnumber&table=F69A27FD8FB86142BF01C1166DEA398649 (acesso em 29/04/12).
[16] Cf. (em inglês): http://scc-csc.lexum.com/scc-csc/scc-csc/en/item/12876/index.do (último acesso em 26.03.14).
[17] Cf. TEDH, caso Vejdeland e outros v. Suécia, voto concordante dos Juízes Spielmann e Nussberger, item 6. Para a íntegra da decisão, vide http://cmiskp.echr.coe.int/tkp197/view.asp?action=html&documentId=900340&portal=hbkm&source=externalbydocnumber&table=F69A27FD8FB86142BF01C1166DEA398649 (acesso em 29/04/12).
[18] Idem.
[19] Afinal, para o heterossexismo, “A heterossexualidade é tida como a norma, como o correto, por isso, erroneamente, ocorre o preconceito contra os que estão contrários ao normal. O heterossexismo faz crer que todos sejam heterossexuais, portanto a única forma aceitável de expressão do afeto emocional e sexual, daí originando a homofobia”. Cf. MOREIRA, Alexandre Magno Augusto e VIEIRA, Tereza Rodrigues. Homofobia: a discriminação por orientação sexual e por identidade de gênero na relação de trabalho. In: VIEIRA, Tereza Rodrigues (org.). Minorias Sexuais. Direitos e Preconceitos, 1ª Ed., São Paulo: Ed. Consulex, 2012, p. 184. G.n. Nesse sentido, ressaltando que a identificação das pessoas por sua orientação sexual se deu apenas no final do século XIX quando a ciência médica passou a catalogar as formas que considerava “aceitáveis” de exercício da sexualidade, afirma Guacira Lopes Couto que “Esse alinhamento (entre sexo-gênero-sexualidade) dá sustentação ao processo de heteronormatividade, ou seja, à produção e à reiteração compulsória da norma heterossexual. Supõe-se, segundo essa lógica, que todas as pessoas sejam (ou devam ser) heterossexuais – daí que os sistemas de saúde ou de educação, o jurídico ou o midiátivo sejam construídos à imagem e à semelhança desses sujeitos. São eles que estão plenamente qualificados para usufruir desses sistemas ou de seus serviços e para receber os benefícios do Estado. Os outros, que fogem à norma, poderão na melhor das hipóteses ser reeducados, reformados (se for adotada uma ótica de tolerância e complacência); ou serão relegados a um segundo plano (tendo de se contentar com recursos alternativos, restritivos, inferiores); quando não forem simplesmente excluídos, ignorados ou mesmo punidos. Ainda que se reconheça tudo isso, a atitude mais frequente é a desatenção ou a conformação. A heteronormatividade só vem a ser reconhecida como um processo social, ou seja, como algo que é fabricado, produzido, reiterado e somente passa a ser problematizada a partir da ação de intelectuais ligados aos estudos se sexualidade, especialmente aos estudos gays e lésbicos e à teoria queer”. Cf. LOURO, Guacira Lopes. Heteronormatividade e Homofobia. In: JUNQUEIRA, Rogério Diniz (org.). Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas, 1ª Ed., Brasília: Ministério da Educação, 2009, p. 90 (Coleção Educação para Todos). G.n.
[20] STF, HC n.º 82.424-2/RS, voto do Ministro Maurício Correa, p. 37.
[21] “É assim que a homofobia geral permite denunciar os desvios e deslizes do masculino em direção ao feminino e vice-versa, de tal modo que se opera uma reatualização constante nos indivíduos ao lembrar-lhes sua filiação ao ‘gênero correto’. Segundo parece, qualquer suspeita de homossexualidade é sentida como uma traição suscetível de questionar a identidade mais profunda do ser. Desde o berço, as cores azul e rosa marcam os territórios dessa summa divisio que, de maneira implacável, fixa o indivíduo seja à masculinidade, seja à femininilidade. E quando se profere o insulto ‘veado’ (‘pédé’), denuncia-se quase sempre um não respeito pelos atributos masculinos ‘naturais’ sem que exista uma referência particular à verdadeira orientação sexual da pessoa. Ou quando se trata alguém como homossexual (homem ou mulher), denuncia-se sua condição de traidor(a) e desertor(a) do gênero ao qual ele ou ela pertence ‘naturalmente’. […] Essa ordem sexual, ou seja, o sexismo, implica tanto a subordinação do feminino ao masculino quanto a hierarquização das sexualidades, fundamento da homofobia” (BORRILO, Op. Cit., pp. 26-27 e 30)
[22] PRADO, Marco Aurélio Máximo e JUNQUEIRA, Rogério Diniz. Homofobia, hierarquização e humilhação social. In: VENTURI, Gustavo e BOKANY, Vilma. Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil, 1ª Ed., São Paulo: Ed. Perseu Abramo, 2011, pp. 57 e 60. G.n.
———————————————-
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR PROCURADOR-GERAL DO EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DESPORTIVA DO FUTEBOL.
Processo n.º 079/2014
GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual, devidamente qualificado no processo em epígrafe, relativo a Notícia de Infração realizada pelo Peticionário, por seu advogado signatário, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fulcro em seu direito constitucional de petição, MANIFESTAR-SE SOBRE O PARECER do Nobre Procurador-Geral de Justiça Desportiva, nos seguintes termos:
Requer-se, nos termos do art. 74, §2º, do CBJD[1] a manifestação de Vossa Excelência, Procurador-Geral da Justiça Desportiva, requerendo-se o reexame da matéria para se concluir pela legitimidade do GADvS para propor a notícia de infração e, no mérito, seja formulada a denúncia, pelas razões que se passa a expor. Recebemos esta manifestação em e-mail de 01.07.2014, donde inegavelmente tempestiva a presente manifestação.
Em síntese, aduziu o Nobre Procurador designado que o GADvS não seria parte legítima para apresentar notícia de infração, à luz da “melhor interpretação dos artigos 1º e 74 do CBJD” (sic), bem como, no mérito, opinou pela inexistência de infração por entender que “para caracterização do tipo do artigo 243-G do CBJD, deve haver comprovação da intenção de atingir a vítima de forma discriminatória, desdenhosa ou ultrajante”, o que entende não ter ocorrido pelo seguinte: “A afirmação do Autor de que a homossexualidade foi atribuída ao goleiro de forma pejorativa, merece prova contundente, por demais subjetiva. Na verdade, tudo indica uma espécie de manifestação de má educação da torcida, um usual e reprovável xingamento, costumeiro no mundo do futebol, comportamento que não se enquadra no tipo em destaque na Notícia”. (grifo nosso)
Contudo, não agiu com o costumeiro acerto o Nobre Procurador, senão vejamos:
Primeiramente, é evidente a legitimidade do GADvS à luz do disposto no art. 74 do CBJD[2]. Afinal, dito dispositivo legal afirma que é parte legítima para apresentar a notícia de infração qualquer pessoa física ou jurídica que manifeste legítimo interesse no caso. Ora, sendo o GADvS uma Organização Não-Governamental de defesa dos direitos humanos da população LGBT e o enfrentamento da homofobia (e da transfobia), o qual, nos termos do art. 2º de seu Estatuto Social, tem como missão “o ativismo por meio do Direito para enfrentar a homofobia e a transfobia e obter a igualdade de direitos para a população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros e Intersexuais)”, é mais do que evidente que ele tem o legítimo interesse em que práticas homofóbicas sejam devidamente punidas também no futebol, que notoriamente faz parte da cultura nacional.
Logo, a afirmação de que a “melhor interpretação” de dito dispositivo legal afastaria a legitimidade do GADvS carece de qualquer procedência e mesmo de fundamentação: que interpretação é esta que não foi sequer explicitada pelo Nobre Procurador? Sequer explicou ele sua compreensão e pré-compreensão acerca de dito dispositivo legal para explicar como se chegaria a esta “interpretação” que ele defende. Assim, o argumento improcede, devendo ser reconhecida a legitimidade do GADvS para apresentar notícias de infração relativas a homofobia, transfobia e quaisquer temas relativos à população LGBT no esporte brasileiro, o que desde já se requer.
No mérito, melhor sorte não assiste ao Nobre Procurador.
É incompreensível a afirmação de que o grito “oooohhhhhh, biiiiichaaaaaa” não seria homofóbico ou que, nas palavras do Procurador, não teria sido caracterizada a “intenção de atingir a vítima de forma discriminatória, desdenhosa ou ultrajante”. Ora, considerando que é evidente que a imputação de homossexualidade, pelo termo “bicha”, notoriamente pejorativo, não teve a intenção de elogiar o goleiro em questão e que era evidentemente usado em contexto de provocação, fica evidente o intuito de desdenhar ou ultrajar, e mesmo de discriminar, dos referidos gritos da torcida corinthiana.
Aliás, o próprio Procurador sabe que o uso da palavra foi em sentido ofensivo, já que o caracterizou como “um usual e reprovável xingamento, costumeiro no mundo do futebol” (sic). Nesse sentido, considerando que imputar a homossexualidade a alguém como provocação é inegavelmente uma forma de menosprezar dita pessoa pela homossexualidade a ela atribuída e considerando que é inegável que isso se trata de uma forma de menosprezar a homossexualidade relativamente à heterossexualidade, afigura-se indefensável dizer que não teria havido homofobia no caso, que não teria havido “intenção de atingir a vítima de forma discriminatória, desdenhosa ou ultrajante”. Isso porque, ainda que se entenda que meros xingamentos não caracterizem ilícitos desportivos, manifestações com cunho discriminatório, desdenhoso ou ultrajante e manifestações em geral que se pautem em puro e simples preconceito devem ser entendidas como abrangidas pelo art. 243-G do CBJD[3] – destaque-se: entende-se aqui que se trata de caso de manifestação discriminatória, desdenhosa e/ou ultrajante aquela objeto da denúncia, mas caso se entenda que manifestações em geral que se pautem em pura e simples preconceito não se enquadrariam neste outro conceito, defende-se aqui sua subsunção à hipótese do art. 243-G do CBJD, por interpretação conforme à Constituição do mesmo à luz do art. 3º, inc. IV, da CF/88, que veda toda e qualquer forma de preconceito e discriminação, consoante defendido na denúncia e reiterado adiante nesta denúncia. Do contrário, o preconceito estará referendado pela Justiça Desportiva, com o que não se pode concordar.
Como é evidente que não se tratou de manifestação elogiosa, mas de manifestação que visou provocar o goleiro em questão mediante imputação de homossexualidade a ele, sendo inegável que isso se deu pelo menosprezo à homossexualidade relativamente à heterossexualidade, como se homens gays fossem “menos masculinos” que homens heterossexuais, resta evidente o caráter preconceituoso de dita manifestação, a ensejar a incidência do art. 243-G do CBJD ao caso concreto (sobre o tema, vide a manifestação do Conselho Nacional para Prevenir a Discriminação, do México, adiante transcrita nesta petição).
Reitera-se aqui a analogia feita na denúncia, não enfrentada no parecer do Nobre Procurador: e se a torcida cantasse “ooooohhhhhhhhhh, maa-caaaa-coooo”, mesmo a um goleiro branco? Será que o Nobre Procurador teria dito que um tal grito, com o termo “macaco”, não seria, em si, ofensivo, desdenhoso e/ou degradante??? Ora, data maxima venia, absurda a posição esposada pelo Nobre Procurador sobre o tema, razão pela qual deverá ser rejeitado seu parecer e ser acolhida a denúncia, o que desde já se requer.
Ora, como dizer que a tentativa de menosprezar alguém por imputação a si de homossexualidade não significaria preconceito homofóbico e, portanto, que não teria havido manifestação discriminatória, desdenhosa ou ultrajante??? Data maxima venia, é indefensável negar a existência da homofobia no caso concreto, donde no mínimo por interpretação conforme à Constituição relativamente ao art. 3º, IV, da CF/88 deve-se entender por subsumida a hipótese dos autos ao disposto no art. 243-G do CBJD. Interpretação conforme esta que evidentemente abarca a punição de manifestações preconceituosas quaisquer – donde considerando que a imputação de homossexualidade como uma ofensa a terceiros configura-se como evidente preconceito homofóbico, no sentido de menosprezar a homossexualidade relativamente à heterossexualidade e, portanto, menosprezar todo e qualquer homossexual relativamente a todo e qualquer heterossexual, tem-se que tal hipótese também se encontra subsumida no disposto no art. 243-G do CBJD(novamente remete-se Vossa Excelência à manifestação do Conselho Nacional para Prevenir a Discriminação, do México, adiante transcrita nesta petição).
Lembre-se que a denúncia refutou a fundamentação do Egrégio Tribunal de Justiça Desportiva de São Paulo ao rejeitar denúncia idêntica, razão pela qual reiteram-se aqui os termos de dita refutação, como se aqui estivessem transcritas.
Ademais, cabe uma nota sobre recente decisão da FIFA, que decidiu arquivar inquérito movido contra o México por situação similar, a saber, a torcida mexicana gritar “oooohhhhhhhhh, puuuu-toooooo” (“puto” é um termo equivalente ao “bicha”, ou seja, um termo pejorativo relativamente à homossexualidade), que, aliás, é a origem dos gritos da torcida corinthiana, objeto deste processo. A FIFA não explicou por qual motivo considerou inexistir homofobia, pelo menos não localizamos tal fundamentação. Cabe destacar que a FIFA foi critica pela ONG Fare, que defende os direitos da população LGBT na Europa, por tal decisão[4]. Sobre o tema, cabe destacar que a argumentação constante da denúncia demonstra a homofobia, sendo esta decisão da FIFA, bem como a do TJD/SP, completamente equivocadas ao rejeitar a existência de homofobia.
De qualquer forma, cabe destacar que o Conselho Nacional para Prevenir a Discriminação (CONAPRED), do México, que considerou tais gritos homofóbicos, a qual bem pontuou aquilo que não pode deixar de ser considerado por este Egrégio Tribunal, a saber, que “O grito de ‘bicha’ [puto] é expressão de desprezo, de repúdio [rechazo]. Não é uma descrição nem uma expressão neutra; é uma qualificação negativa, é um estima, é uma desvalorização. Equipara a condição homossexual à covardia, com o erro, é uma forma de equiparar os rivais com as mulheres, uma forma de ridicularizá-las em um espaço desportivo que sempre foi concebido como quase exclusivamente masculino”.
Vejamos a notícia (de 19.06.2014) que traz a posição do CONPRED/Mexicano[5] acerca do tema (tradução livre), posição esta anterior à citada decisão da FIFA e que lhe serve, consequentemente, como crítica e como fundamento para que não seja adotada por este E. STJD:
O Conselho Nacional para Prevenir a Discriminação (Conapred) afirmou que os gritos homofóbicos durante as partidas de futebol não são um costume ou uma tradição, são irresponsáveis e não contribuem ao respeito dos direitos humanos; “o futebol se ganha com gols, não com discriminação”.
“Dizer que com o pagamento do ingresso pode-se ter qualquer conduta no estádio com base em uma liberdade de expressão mal compreendida como ilimitada, além de errôneo e irresponsável, não contribui com o respeito aos direitos humanos e com a dignidade das pessoas”.
Em um comunicado, o Conapred assinalou que no caso do Mundial de Futebol que se celebra no Brasil, “chamou a atenção em nível internacional, em particular da própria FIFA, os gritos homofóbicos que a torcida mexicana expressa com força nas partidas da seleção mexicana”.
Ressaltam que ditas expressões homofóbicas não formam parte de uma prática cotidiana inofensiva de nossa sociedade [a mexicana] em seus diferentes espaços públicos. “O sentido em que se dá esse grito coletivo nos estádios não é inócuo; reflete a homofobia, o machismo e a misoginia que ainda persistem em nossa sociedade”, assegurou o Conselho.
“O grito de ‘bicha’ [puto] é expressão de desprezo, de repúdio [rechazo]. Não é uma descrição nem uma expressão neutra; é uma qualificação negativa, é um estigma, é uma desvalorização. Equipara a condição homossexual à covardia, com o erro, é uma forma de equiparar os rivais com as mulheres, uma forma de ridicularizá-las em um espaço desportivo que sempre foi concebido como quase exclusivamente masculino”, explicou.
Destacou que as expressões racistas, classistas, xenofóbicas, machistas e homofóbicas são inclusive utilizadas estrategicamente dentro do campo para tentar desequilibrar, desconcentrar e retirar a concentração dos jogadores da equipe adversária.
“Por isso o responsável não é aceitar essa conduta – passando a mensagem de que não importa violar os estatutos, o melhor é pagar o custo econômico –, mas ter uma postura clara e firma em favor da competência desportiva e não da desqualificação do oponente”, asseverou.
O diretor das seleções nacional [mexicanas], Héctor Gonzáles Iñarritu, disse que a área jurídica da Federação Mexicana de Futebol já respondeu à FIFA acerca do grito de “bicha” [puto] da torcida na partida contra o Brasil e assegurou que a federação nacional não tem nada a temer.
“Já foi iniciado o processo de análise do grito com uma possível multa. A área jurídica da Federação já respondeu que está impossibilitada de evitar isso, e é uma realidade, é uma coisa que vem da Liga [Mexicana] faz tempo e não podemos impedir que uma torcida se manifeste”, declarou.
A Federação Internacional de Futebol (FIFA) obriga todas as federações que a integram a aplicar o “Protocolo contra o racismo”. A mesma medida adota a Confederação de Futebol do Norte, América-Central e Caribe (Concacaf), No mesmo sentido, a Federação Mexicana de Futebol (Femexfut) se comprometeu a aplicar o protocolo ditado pela FIFA a casos de racismo, xenofobia e homofobia registrados em partidas do futebol mexicano.
[O Conapred] Recordou que os Estatutos da FIFA, que devem ser observados por todas as associações e seus respectivos membros, em seu artigo 3º indica: “É proibida a discriminação de qualquer país, indivíduo ou grupo de pessoas, por sua origem étnica, sexo, língua, religião, política ou por qualquer outra razão, e é punível com suspensão ou exclusão”.
O mundial de futebol sem dúvida pode contribuir para o desenvolvimento social e não deve a aprovar/afiançar a divisão, nem a expansão e fortalecimento de preconceitos multiplicados exponencialmente através dos meios de comunicação. Esse resultado pode ser atingido se adotar-se uma mensagem clara as diretivas, as equipes, os meios de comunicação e a torcida em favor de uma sociedade de direitos, pontuou. (grifos e colchetes nossos)
Veja-se o absurdo da alegação defensiva da Federação Mexicana. Disse que não tinha como evitar os cantos e que não poderia impedir a torcida de se manifestar. Ora, se a torcida faz manifestações negrofóbicas (racistas), pune-se o clube em questão ou a Federação respectiva (no caso das seleções) com a pena de multa ou qualquer outra punição. Logo, se a torcida de um clube ou país adota uma conduta tida como discriminatória, esse clube ou a federação nacional será punido(a), na forma da legislação pertinente. Referida alegação, portanto, visa consagrar a pura e simples irresponsabilidade, o puro e simples desprezo às condutas discriminatórias praticadas em estádios de futebol, o que é inadmissível. Se a torcida realiza manifestações discriminatórias, o clube ou a federação nacional respectivo(a) deverá ser punido, donde não se pode acolher esta absurda alegação.
Reiteram-se, por oportuno, as precisas palavras de Leonardo Sakamoto[6], renomado blogueiro do UOL, em sua coluna de 06.04.2014, mencionadas na denúncia:
“É claro que as torcidas organizadas (sic) de futebol quando entoam coros chamando determinados jogadores de ‘bicha’, que é um termo depreciativo, têm o intuito de transformar uma orientação sexual em xingamento. Reforçam, dessa forma, que ser ‘bicha’ é ser ruim, ser frouxo, medroso, incapaz e tantos outros elementos acrescidos ao significado falsamente aos gays ao longo do tempo. Nesse caso, o uso da expressão não está atacando apenas o jogador (independentemente da orientação sexual do esportista), mas toda a coletividade, pois reforça preconceitos e questiona a dignidade de determinado grupo. Fazendo um paralelo simples: um estádio inteiro gritando que um jogador negro é ‘negro’’ não é simples observação da realidade, mas quer passar um recado cuja intenção não é das melhores. Assume uma conotação diferente do significa original da palavra, com um significado bem distante de gritar que um jogador branco é ‘branco’. Pois sabemos bem que a sociedade dá pesos diferentes a negros e brancos e que o racismo ainda grassa por aqui. Nesse sentido, ataques coletivos deveriam ser analisados com rigor pela Justiça, aplicando punições didáticas para o clube da torcida em questão” (grifos nossos).
Em suma, deve ser rejeitado o parecer do Nobre Procurador também em seu mérito porque “O grito de ‘bicha’ [puto] é expressão de desprezo, de repúdio [rechazo]. Não é uma descrição nem uma expressão neutra; é uma qualificação negativa, é um estima, é uma desvalorização. Equipara a condição homossexual à covardia, com o erro, é uma forma de equiparar os rivais com as mulheres, uma forma de ridicularizá-las em um espaço desportivo que sempre foi concebido como quase exclusivamente masculino”. Tal posição do CONAPRED/Mexicano referenda os termos da denúncia, no sentido de que é um grito da torcida corinthiana implicou em uma imputação de homossexualidade de forma pejorativa ao goleiro em questão (e a torcida reiterou esta conduta em jogos seguintes). Afinal, como dito na denúncia, referidas manifestações da torcida em questão tiveram o claro intuito (animus/dolo direto) de menosprezar o goleiro em questão, tentando ofendê-lo, mediante imputação de homossexualidade a ele, o que caracteriza homofobia por isto ter a si inerente o menosprezo da homossexualidade e consequentemente dos homossexuais relativamente à heterossexualidade e aos heterossexuais, sendo absolutamente irrelevante se o referido goleiro ser ou não homossexual (o que não se sabe), pois a homossexualidade foi a ele atribuída de forma pejorativa, como se ofensa fosse, donde tivemos uma manifestação homofóbica que menospreza a homossexualidade relativamente à heterossexualidade, portanto ofendendo toda a comunidade homossexual. A homossexualidade não deve ser vista como uma “ofensa” a quem quer que seja, mas imputar a homossexualidade a alguém com o intuito de menosprezar tal pessoa por tal circunstância é um discurso evidentemente homofóbico que não pode ser tolerado.
Daí a relevância da denúncia ter pleiteado que sejam tomadas as medidas desportivas cabíveis contra o time do Corinthians, ante a homofobia ser passível de enquadramento no artigo 243-G do CBJD (Código Brasileiro de Justiça Desportiva), na modalidade discriminação por motivo de sexo, ou, pelo menos, pelo rol de atos discriminatórios do referido dispositivo infralegal não poder ser visto como taxativo, mas como meramente exemplificativo, no mínimo por interpretação conforme à Constituição, já que nossa Constituição Federal veda preconceitos e discriminações de quaisquer espécies em seu artigo 3º, inciso IV, de sorte a que um rol de atos discriminatórios passíveis de punição não-criminal deve ser interpretado extensivamente, para se punir todo e qualquer ato discriminatório, de sorte a, neste caso concreto, gerar a punição de qualquer prática ou incitação de preconceito ou discriminação por parte de torcidas de futebol. Punição ao clube, que não pode deixar de ser responsabilizado por atos ilícitos de seus torcedores no interior do estádio, ao menos quando diretamente relacionados com o jogo de futebol, como no presente caso. Afinal, a Justiça Desportiva evidentemente também está sujeita à irradiação das normas constitucionais na interpretação e delimitação de conteúdo das normas infraconstitucionais, no que tange a se interpretar o rol do art. 243-G do CBJD como meramente exemplificativo e não taxativo.
Ante o exposto, requer-se o reexame da matéria por esta Procuradoria-Geral da Justiça Desportiva, nos termos do art. 74, §2º, do CBJD, para que, preliminarmente, seja reconhecida a legitimidade do GADvS para apresentar denúncias de homofobia na Justiça Desportiva (objeto deste processo), por ele se enquadrar no conceito de pessoa jurídica com legítimo interesse para tanto, nos termos do art. 74 do CBJD, e, no mérito, reiteram-se os termos da denúncia (que fica obviamente inteiramente reiterada/”prequestionada”, mesmo nos temas que aqui não foram reiterados/transcritos nesta petição) e requer-se seja oferecida/promovida a denúncia objeto da notícia de infração formulada pelo GADvS, dando regular seguimento ao processo, para que seja, ao final, reconhecida a homofobia denunciada na exordial, nos termos ali e aqui explicitados, aplicando-se a punição cabível – como medidas da mais lídima JUSTIÇA!
Termos em que,
Pede e Espera Deferimento.
De São Paulo para o Rio de Janeiro, 02 de julho de 2014.
______________________________________________________
GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual
pp. Paulo Roberto Iotti Vecchiatti (Diretor-Presidente)
OAB/SP n.º 242.668
[1] “Art. 74. […] §2º Caso o procurador designado para avaliar a notícia de infração opine por seu arquivamento, poderá o interessado requerer manifestação do Procurador-Geral, no prazo de três dias, para reexame da matéria. (AC)”.
[2] “Art. 74. Qualquer pessoa natural ou jurídica poderá apresentar por escrito notícia de infração disciplinar desportiva à Procuradoria, desde que haja legítimo interesse, acompanhada da prova de legitimidade. (Redação dada pela Resolução CNE nº 29 de 2009)”.
[3] “Art. 243-G. Praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009)”.
[4] Cf. http://esportes.r7.com/futebol/copa-do-mundo-2014/fifa-absolve-torcedores-mexicanos-acusados-de-homofobia-23062014 (último acesso em 01.07.14).
[5] Cf. http://www.milenio.com/politica/puto-mundial_y_puto-tri_puto-conapred_puto-disciminacion_gritar_puto-grito_de_puto_jugadopres_de_futbol-puto_y_estadios_0_320368362.html (último acesso em 01.07.14).
[6] Cf. http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2014/04/06/por-que-dizer-que-alguem-e-gay-ou-lesbica-e-encarado-como-xingamento/(acesso em 06.04.14).